O avanço do pensamento conservador no Brasil tem encontrado seu lugar nas propostas dos candidatos nestas eleições. Desde as pautas para o legislativo estadual, passando pelo Congresso Nacional e também ao governo do Estado e à Presidência da República, algumas das plataformas defendidas têm assustado os movimentos sociais, sobretudo os que militam na causa dos Direitos Humanos. Com o recrudescimento das propostas, sofrerão os mais vulneráveis socialmente, como população de rua e das periferias, e as minorias historicamente discriminadas, como os negros, a comunidade LGBTI e as mulheres.
Prisão perpétua, redução da maioridade penal, acabar com a progressão de regime dos presos, defesa exagerada da “família”, implantação da inconstitucional “Escola Sem Partido”, criminalização das drogas, permanência da criminalização do aborto, ataques ao que tem sido denominado de “ideologia de gênero” são alguns dos exemplos preocupantes para os que militam em defesa dos Direitos Humanos.
“As pautas bombas e os retrocessos são as propostas apresentadas por muitos candidatos”, alerta Gilmar Ferreira, militante dos Direitos Humanos há mais de 20 anos no Estado, que completa: “Alguns temas são de competência federal e estão em propostas de quem disputa a Assembleia Legislativa. Ao meu juízo, muitas delas não têm amparo por ir contra cláusulas pétreas da Constituição Federal, que não podem ser alteradas nem por emenda. Por trás do discurso de dar instrumentos jurídicos às forças do Estado para proteger o 'cidadão de bem', há um desejo de criar leis que permitam ao Estado matar”, explicou.
E completa: “Observa-se que as propagandas trazem imagens e símbolos carregados de significados que estimulam a vingança e o uso desproporcional da força e do poder como forma de enfrentamento estatal. Nós podemos imaginar como tudo isso vai se dar…tendo a população mais vulnerável, pobre, negros, moradores de periferia como alvo. A opção por mostrar a força é tão real que mulheres exercendo função na política quase não aparecem”.
Discurso bélico para o Senado
Para o Senado Federal, vários candidatos propões leis duras e adotam um discurso bélico para enfrentar a violência urbana. “O candidato estreante Marcos Do Val (PPS), por exemplo, começou a campanha usando um colete a provas de balas. Do Val ficou conhecido por dar dicas de segurança numa emissora de TV aberta local. Também é conhecido por ser instrutor da SWAT, em inglês Special Weapons And Tactics, polícia norte-americana altamente especializada.
O já conhecido Magno Malta (PR), cadeira cativa no Senado utilizando sua influência e trâmite no meio evangélico, defende que o Brasil implante a prisão perpétua, enquanto Ricardo Ferraço (PSDB) fala em aumentar o tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei.
“Pra quem acha que pode numa canetada no Senado resolver esses problemas, parece não saber que o parlamento federal é bicameral e colegiado. Além disso, é preciso apresentar projetos que a Constituição Federal permita. Vale lembrar ainda que o Poder Executivo tem poder de veto parcial e total”, lembra Gilmar.
Mais do mesmo para o governo
Ao governo do Estado, o candidato e ex-governador Renato Casagrande (PSB), que lidera as pesquisas, propõe reeditar a Rede Abraço e o programa Estado Presente, que, para os que militam na área de Direitos Humanos, será a continuidade da desastrosa política de Paulo Hartung nas áreas de assistência social e segurança pública.
“O Estado Presente foi um programa que nunca ouviu a sociedade civil desde a sua concepção, implementação e monitoramento. Nunca nos foi permitido participar de suas reuniões e muito menos contraditar as autoridades. Para eles, nós não sabemos nada do tema. A Rede Abraço, por sua vez, é o modelo de comunidades terapêuticas condenado pelo Ministério Público Federal em recente pesquisa”, disse Gilmar Ferreira.
Já o candidato Aridelmo Teixeira (PTB) defende o discurso do superencarceramento, falando abertamente em construir mais presídios no Estado, que já tem uma superpopulação de mais de 22 mil detentos. Carlos Manato (PSL), o candidato do presidenciável Jair Bolsonaro no Estado, por sua vez, repetiu a proposta de dar retaguarda jurídica e legal à força policial que cometer violência em atuação, o que significa, em outras palavras, autorizar o Estado a matar.
“Deixamos o Programa Estadual de Direitos Humanos [PEDH] e o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos [PeEDH] prontos e aprovados em conferências e esses documentos continuam sendo ignorados. Os dados da Unicef e da Fundação Abrinq também, até aqui, não foram abordados. As questões dos povos quilombola, das mulheres, das comunidades tradicionais e de Saúde Mental também seguem esquecidos. O pó preto, a poluição e as poluidoras, assim como o Rio Doce e as consequências do crime cometido pela Samarco/BHP Billiton e Vale sequer são mencionados. A população em situação de rua, a erradicação da pobreza, o extermínio dos jovens das periferias e a categoria dos 'matáveis' não estão sendo lembrados”, elencou Gilmar Ferreira, destacando temos importantes da área de Direitos Humanos que não citados nas plataformas da maioria dos candidatos.
Estaduais com pautas federais
Para o militante Gilmar Ferreira, candidatos à Assembleia Legislativa parecem não entender a competência do cargo de disputam, falando de assuntos da esfera federal.
Os candidatos a deputado estadual Sergio Camilo (PSC) e Devanir Ferreira (PRB), por exemplo, se posicionam contra legalização das drogas e a descriminalização do aborto.
“O que se vê é um discurso fácil e muito oportunismo. As cúpulas dos partidos não orientam os candidatos sobre as funções, o papel de cada ente, órgão e poder. Não vi ninguém dizer que vai fiscalizar a aplicação dos recursos públicos, por exemplo. Parece que os marqueteiros só orientam como fazer um shows deprimente para quem os assiste e sem compromisso com a verdade e a viabilidade do que propõem”.
Pacto Pelos Direitos Humanos
Preocupados com a escala das pautas que trazem retrocesso, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) convidou os candidatos ao governo do Estado a firmar um Pacto pelos Direitos Humanos. Para isso, uma sabatina será realizada nesta quarta-feira (19), de 8h às 12h, na Casa dos Direitos, no Edifício Portugal, Centro de Vitória. Na ocasião, cada candidato terá quarenta minutos para conversar com os conselheiros sobre as propostas contidas no Pacto, selando ou não seu compromisso com a entidade.
André Moreira (Psol) e Aridelmo Teixeira (PTB) irão encontrar os conselheiros na data e horário solicitados, enquanto Jackeline Rocha (PT) afirmou que irá responder aos questionamentos e solicitações por escrito, devido a uma incompatibilidade de agenda. Os demais – Carlos Manato (PSL), Renato Casagrande (PSB) e Rose de Freitas (Podemos) – ainda não responderam ao convite.
“O Pacto orienta a formulação de políticas públicas”, afirma a vice-presidente do CEDH, Ana Carolina Galvão Marsiglia, professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e representante da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) no conselho.