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O tempo das águas resiste ao tempo do capitalismo

Era uma viagem de dois meses que durou quatro. Mas quatro meses na Amazônia podem ser muito diferentes do que quatro meses numa metrópole. É justamente sobre temporalidades que Rafael Segatto busca refletir com suas fotografias que registram sua estadia no Pará e culminam na exposição Caminhos Possíveis, que estreia na segunda-feira (1º), na Galeria de Arte Homero Massena, em Vitória.

“É uma discussão sobre a ruptura com um tempo cronológico, atrelado ao sistema capitalista e neoliberal. Ele funciona muito bem porque esse tempo é imposto para nós, é um tempo institucionalizado. Dá muito certo porque não temos tanta natureza, rios imponentes. Lá no Pará pude encontrar dinâmicas de outros tempos, das águas imponentes e da natureza brutal, dinâmicas que vão para além do cronológico”.

O Pará veio de forma pouco pensada, sem muita consciência imediata, quando se inscreveu para um edital de residência artística na Associação Fotoativa, em Belém. “Queria fazer algo que realmente acreditasse, sem saber muito o que era. Hoje penso que não poderia ser outro lugar. O que passei no Pará, as transformações, formas de pensar, atravessamentos. Foram muitas descobertas”, diz lembrando da “natureza brutal” da floresta amazônica, com o encanto e descoberta que proporciona.

Ao terminar o curso na capital paraense, se deslocou por outros caminhos, até encontrar-se com a pesca, que desatou uma memória juvenil de Rafael de quando viveu na Bahia e saía a pescar com seu pai, há 12 anos.

Um personagem marcante de sua viagem é Iván, pescador de Fortalezinha, na Ilha de Maiandeua, no litoral paraense, nas proximidades com o Maranhão. Foi com ele que Rafael começou a sair para pescar, jogar e puxar a rede no mar. “Não tenho essa formalidade de muitos fotógrafos, deixo a câmera em segundo plano. Primeiro vem a experiência das trocas para depois começar um trabalho visual com a ferramenta que uso, que é a fotografia”. Outras ilhas como Marajó, Cotijuba e Mosqueiro também lhe proporcionaram uma forte experiência de troca com os pescadores e seu entorno, cristalizados nos registros fotográficos.

O azul predomina, marcando sete das oito fotos. “Se trata de um azul que vi no Norte e não conheço em outro lugar. A luz e a cor mudam de acordo com a região. Acabo vendo cores e sabendo que minha câmera não vai acessar aquilo, faço trucagem com a temperatura de cor e até tratamento da imagem para realçar esse azul, que não consigo identificar se está dentro ou fora de mim, e é fundamental para discutir sobre o tempo”.

O azul retrata essencialmente as águas e Rafael revela certo desapego do formalismo técnico da fotografia tradicional, deixando-se envolver com a câmera em punhos pelo movimento das águas. “Era o recurso que tinha na hora. Não dá pra fazer imagens fixas se estou dentro do mar ou do rio. São questões conceituais e estéticas que fazem parte da construção das imagens que registro”.

Na fotografia que destoa do azul, se apresenta o vermelho e preto, com peixes em imagem borrosa, que para o artista se referem ao alimento e à Exú. Se a pesca é a grande diretriz do trabalho, Rafael Segatto, que é umbandista, considera que a obra é fundamentada por Exú, o orixá que guia os caminhos. Isso será visível na forma como as fotos são dispostas na galeria. Um tríptico com três fotos na parede é denominado “A Queda do Céu”, referência ao livro que traz as memórias do sábio e curandeiro yanomami Davi Kopenawa . As outras fotos se dispõem no chão, como uma encruzilhada, pela qual o visitante deve transitar. Nos cantos, mudas de aroeira, planta de limpeza dentro das culturas ancestrais.

É na herança afroindígena, buscando perspectivas não eurocêntricas, que a exposição se baseia para pensar o tempo cronológico ocidental a partir da mostra das outras lógicas temporais que o sistema acaba oprimindo. O tempo da pesca, por exemplo, se baseia no movimento das águas, da lua, do sol, não nos relógios das empresas. No Pará, conta Rafael, a amplitude da maré é grande, é possível caminhar ou morrer afogado num mesmo local, dependendo da hora do dia e do nível da maré. A natureza imponente. “A beleza dela está na brutalidade”.

Apesar da profunda imersão que se dá a partir da fuga da zona de conforto para o encontro com outras pessoas e outra natureza, as fotos não identificam essencialmente o Pará, mas sim a realidade da pesca, o que para o fotógrafo traz alguma proximidade para pensar a partir de Vitória.

E também serve para pensar desde outros lugares, inclusive desde outras metrópoles, sobre como funciona esse tempo capitalista que coordena o eixo de nossas vidas, que dita nosso cotidiano. “Esquecemos o tempo do nosso próprio corpo, de nossa espiritualidade”, alerta Rafael, lembrando também que o tempo não precisa ser linear, os tempos podem confluir, suspender ou se encontrar, como no encontro de caminhos das encruzilhadas.

São essas angústias, descobertas, atravessamentos e libertações que o fotógrafo convida a debates na cerimônia de abertura da exposição, nesta segunda-feira, às 19h30, na Galeria Homero Massena.

AGENDA CULTURAL

Abertura da exposição Caminhos possíveis, de Rafael Segatto.

Quando: Segunda-feira, 1/10, 19h30.

Onde: Galeria Homero Massena – Rua Pedro Palácios, 99,  Cidade Alta –  Vitória/ES.

Horários de visitação: Até 1º de dezembro, de segunda a sexta-feira de 9h às 18h, sábado de 13h às 17h.

Entrada gratuita.

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