“Esse prazo [prazo prescricional em que o atingido não pode mais discutir judicialmente um direito que lhe tenha sido negado] nem começou a correr ainda, porque esse desastre se repete diariamente”, afirma o procurador da República em Linhares, Paulo Henrique Camargos Trazzi, membro da Força Tarefa do Ministério Público Federal (MPF) no caso Rio Doce.
“Todo dia que o rio está contaminado e que os pescadores não podem pescar, que os produtores rurais não conseguem produzir, que o pessoal do artesanato não consegue vender, que o comerciante tem sua dificuldade, esse prazo se reinicia diariamente. Então, a cada dia que passa sem a resolução do problema, o caso está reiniciando”, complementa, em um áudio que circula esta semana entre os atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP na Foz do Rio Doce, em função da presença do escritório de advocacia britânico SPGLaw na região e sua intenção de angariar procurações para processar a BHP Billiton na Corte da Inglaterra.
Além do MPF, também as Defensoria Públicas da União e do Espírito Santo possuem o mesmo entendimento sobre a renovação diária do crime e a impossibilidade de prever sua prescrição, garante o procurador.
Em função disso, explica Paulo Henrique, o MPF entrou com uma ação civil pública cobrando R$ 155 bilhões das empresas, visando reparação integral, ou seja: “os danos coletivos e também individuais de cada pessoa atingida”. “E o entendimento nos tribunais do Brasil é que com esse tipo de ação, o prazo prescricional para cada um entrar com ação, se interrompe, recomeça do zero e, enquanto a ação estiver andando, ele fica parado, ou seja, não pode terminar o prazo para as pessoas ingressarem na Justiça”, esclarece.
Além disso, informa, a cada novo Acordo que as empresas assinam – como o TTAC com os Governos, que criou a Fundação Renova; o Acordo para os diagnósticos; e agora o Acordo de Governança – elas reconhecem, de forma inequívoca, que causaram o dano. “Isso pela lei também diz que o prazo se reinicia do zero a partir desse momento”.
Outro aspecto é o reconhecimento do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por três vezes, de que um possível prazo prescricional para o caso seria de cinco e não de três anos, pois os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão são considerados “consumidores por equiparação”.
“Vocês foram vítimas da cadeia de consumo das empresas, isso faz com que o Código de Defesa do Consumidor se aplique ao caso de vocês, e pro Código de Defesa do Consumidor, o prazo é de cinco anos pra entrar com ações”, fala o procurador, diretamente aos atingidos, por meio do áudio largamente compartilhados nas redes sociais.
Finalizando as recomendações, Paulo Henrique diz que não há necessidade de correr, e que os atingidos que quiserem têm direito de contratar advogados ou chamar a Defensoria Pública, mas que não precisam fazer isso com pressa. “A relação entre atingidos e advogados tem que ser de confiança”, alerta.
E lembra: “nós estamos em processo avançado de contratação de assessorias técnicas independentes. Que, se os atingidos assim desejarem, podem ter assistência jurídica, ou seja, podem ter advogados trabalhando pra vocês nesses casos. Advogados esses pagos pelas empresas sem ter que descontar valores de indenizações”, orienta.
Com base nas explicações do procurador da República, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Espírito Santo reforçou as orientações ministeriais e frisou que o Poder Judiciário brasileiro tem violado o direto dos atingidos de acessar a Justiça de forma individual, ao fazer acordos com a Renova que paralisam as ações individuais e obriga o atingido a aceitar, no Programa de Indenização Mediada (PIM), acordos rebaixados e abusivos.
Sobre as ações no exterior, o MAB argumenta que, apesar de também ser um direito individual, devem ser feitas considerando os riscos. “Quem são estes advogados de outros países? Vocês confiam neles? Quais as garantias que eles dão? Quantos vocês pagarão depois? Será que esta ação feita na Inglaterra não será usado como outro pretexto da empresa para atrasar os processos do PIM como já acontece com as ações que existem na Justiça do Brasil?”, questiona o Movimento.
Mencionando o entendimento sobre a não prescrição do crime, defendida pelo MPF e Defensorias Públicas, a organização diz que “prescrevendo ou não, entrando ou não com ações judiciais aqui ou na Inglaterra, o que vai fazer os direitos serem respeitados será a mobilização popular organizada em todas as cidades. O resto pode resultar em ilusão”.
Seguindo as recomendações do procurador da República em Linhares, o MAB conclama que “o foco da luta deve ser a garantia da escolha e contratação das Assessorias Técnicas independentes até 15 de dezembro de 2018. Assim, teremos um acompanhamento coletivo e gratuito que nos dará força”.