Há cerca de um ano, uma enfermeira que prefere o anonimato passou o que ela considera o maior constrangimento da vida. Foi acusada de ter furtado um celular dentro de uma loja de equipamentos industriais no Centro de Vitória. Apesar de haver outros clientes no estabelecimento, foi seguida por um vendedor que a abordou durante uma compra num supermercado próximo e a trouxe de volta para “averiguações”. Para a vítima, que é negra, além da falsa acusação, houve ainda a presença do componente de discriminação racial.
Após ingressar na Justiça contra a loja, a enfermeira teve sentença favorável, no último dia 25 de outubro, assinada pela juíza Fabrícia Bernardi Gonçalves, da 6ª Vara do Juizado Especial de Vitória. A sentença, apesar de ter não levado em conta o componente de injúria racial, condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil mais correção monetária.
“Era véspera do meu aniversário e estava fazendo orçamentos em lojas da Vila Rubim, que fica próximo ao meu trabalho, para comprar um armário de cozinha. Entrei em várias lojas e, nessa específica da ação, foi onde entrei mais rapidamente porque logo vi que era especializada em equipamentos industriais, onde não havia o que eu estava procurando. Continuei visitando outras lojas e depois fui ao supermercado, quando notei que estava sem a carteira. Nessa hora, na fila do caixa, fui surpreendida com o vendedor dizendo que deveria voltar à loja; achei que tivesse esquecido a carteira lá. Durante o trajeto, apesar de ter perguntado se era por causa da carteira, ele não me disse o motivo de me levar de volta à loja. Só entendi quando cheguei e ele disse que um objeto havia sido furtado e eles estavam checando as câmaras de segurança. Não vejo outro motivo, além da cor da minha pele, pra ele ter me acusado. Afinal, outros clientes tinham entrado na loja”.
Segundo a vítima, ela se identificou, disse que era enfermeira e que estava perdendo a tarde de trabalho, mas continuou retida na loja pelo vendedor, que, em nenhum momento, se identificou. Ela também tentou falar com o gerente da loja, sem sucesso. “Nesse momento, eu vi que estava sendo acusada injustamente de roubo, comecei a chorar, liguei para o meu trabalho e uma psicóloga veio me acompanhar. Também resolvi fazer o que o vendedor deveria ter feito, chamei a Polícia e fomos à delegacia fazer o Boletim de Ocorrência. Resolvi entrar na Justiça porque havia outros clientes na loja e ele resolveu seguir a mim, que sou negra”. Só durante a audiência, a enfermeira descobriu o que o tal objeto furtado na loja era o celular do vendedor.
Segundo o advogado que representa a enfermeira, André Moreira, apesar de a Justiça não ter citado o fato do crime de racismo, o valor da indenização indica que a juíza levou, mesmo que implicitamente, esse fato em consideração, pois os valor da indenização por dano moral foi muito maior do que o juizado de pequenas causas costuma determinar.
“Ganhamos na primeira instância R$ 20 mil, que é um valor fora da média. Normalmente, o Juizado tem dado decisões de R$ 2 mil, R$ 3 mil. A sentença não fala de discriminação racial, mas pelo valor ficou claro que a juíza, mesmo sem ter citado, deve ter levado esse fato em consideração. Na verdade, o crime de discriminação racial é muito difícil de ser comprovado”, explicou André.