A reportagem (“Mantenha a cidade limpa”), publicada nesse domingo (24) por Século Diário, traz uma contribuição importante para ampliar o debate em torno do problema das pessoas em situação de rua que perambulam nos municípios da Grande Vitória, muitas delas usuárias de drogas lícitas e/ou ilícitas. Esse segmento da população, que passou a ser um estorvo para a sociedade, é alvo de políticas públicas polêmicas, como a proposta de internação compulsória e abordagens militarizadas.
O aumento significativo dos usuários de crack, que se mesclam à população de rua tradicional, que sempre existiu, é bom que se diga, deu ao problema contornos dramáticos. Pressionados pela opinião pública e imprensa, governantes de grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo – que convivem com o problema há no mínimo duas décadas -, passaram a adotar medidas mais enérgicas para “limpar” as cidades dessa chaga social que insiste em supurar.
Pressionado, a preocupação do poder público é dar uma resposta imediata à sociedade. O mesmo poder público que ignorou durante anos a existência desses excluídos – pedintes, alcoólatras, prostitutas, meninos de rua e outras criações da miséria humana e social -, agora precisa “reconquistar” o espaço público para devolvê-lo ao chamado “cidadão de bem”, aquele que paga imposto e é peça-chave da ciranda do consumo capitalista.
A solução imediata adotada por outros estados e que está servindo de matriz para o Espírito Santo é a “faxina social”, que recebe o nome de internação compulsória. Agora o poder público, sempre ausente, quer fazer crer que está preocupado com essa população e pretende salvá-los do crack – o mal do século.
A fragilidade desse discurso pode ser convincente para parte da sociedade civil que também quer acreditar que não está apoiando a “faxina social”, mas sim tentando salvar as vidas desses “infelizes” condenados por esse vício maldito.
O discurso só não engana pessoas como Rosangela Nascimento, que conhece literalmente o outro lado. A hoje coordenadora do Movimento Nacional de População em Situação de Rua no Espírito Santo (MNPR/ES) experimentou a escala completa das drogas: álcool, cocaína e finalmente o crack. Rosangela viveu nas ruas e conheceu de perto a tratamento “oferecido” à população de rua pelo poder público que, segundo ela, não mudou.
“Estão exigindo que o prefeito [se referindo ao prefeito de Vitória] retire [as pessoas da rua]. Só que essas pessoas têm que ser acolhidas, porque o que tem que ser retirado é o lixo. Nós somos uma parcela que está vivendo uma situação de extrema vulnerabilidade. Mas se o prefeito não admite, não aceita, é omissão do município, do Estado”, protesta.
Rosangela, que frequentou o umbral das ruas por anos, enfia o dedo na ferida. Ela diz que não existe política de saúde, trabalho, habitação, lazer para os moradores de rua. “Tem que ter um olhar diferenciado porque o que está acontecendo é isso mesmo, higienização”, denuncia.
É prudente que as autoridades públicas e a sociedade reflitam com atenção o que disse Rosangela. Em outras palavras, ele pede que a sociedade tenha um “olhar diferenciado” para não promover uma covarde “higienização social” e nada mais.