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Projeto que amplia prerrogativa do procurador-geral de Justiça gera polêmica 

O projeto de lei complementar (PLC 27/2018) que altera a legislação que trata da organização, atribuições e estatuto do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) tem gerado polêmica entre promotores e procuradores. Membros do órgão ministerial reclamam de que a matéria não foi discutida internamente antes de o PL ser enviado para aprovação na Assembleia Legislativa, e de que pode ferir a liberdade que os profissionais têm para investigação e denúncia. Entre as mudanças está a prerrogativa do cargo de procurador-geral de Justiça (chefe do órgão), atualmente ocupado por Eder Pontes, de atuar em primeiro e segundo graus em ações que envolvam autoridades detentoras de foro especial.

De acordo com informações veiculadas no site da Assembleia, o projeto inclui um artigo na Lei Complementar 95/97 – Lei Orgânica do MPES – que determina que o procurador-geral terá a função privativa de promover a ação penal pública perante a Justiça Estadual de primeiro e segundo graus, inclusive na fase pré-processual, quando a autoridade reclamada for detentora de foro funcional estabelecido nas constituições federal e estadual. A prerrogativa é válida ainda que os crimes não tenham sido cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, em qualquer fase que se encontrar o inquérito ou o processo. A proposição diz que os autos devem ser imediatamente encaminhados ao procurador-geral de Justiça, sob pena de responsabilidade.

“Soubemos pela imprensa, acredita?”, disse Sueli Lima e Silva, da Promotoria de Justiça da Mulher de Vitória, que tem feito contatos com deputados para falar, como ex-candidata ao cargo de procurador-geral de Justiça, de sua discordância do projeto e também a de vários colegas que preferem não se pronunciar por temer represálias.

“Quando um promotor(a) de primeiro grau na área criminal não entra com uma ação penal (denúncia), pede o arquivamento de um inquérito penal [IP] e o juiz não concorda, o juiz envia o inquérito ao procurador-geral de Justiça (artigo 28 do Código de Processo Penal). Se o procurador-geral concordar com o promotor, o IP é arquivado, se ele discordar, faz a denúncia ou ele designa outro promotor para denunciar. Então, são  três opções, concordar com o arquivamento, denunciar ou designar outro membro. Agora se passar esse projeto, como fica? O procurador-geral fica com tudo? Superpoder mesmo, fora da legislação”, explicou. 

Para Sueli, o questionamento é qual será o benefício para a sociedade nessa mudança, quando o foro privilegiado é retirado justamente para se tratar as pessoas com igualdade. “Faço esses questionamentos, como uma candidata da eleição passada que não apresentaria um projeto desse sem discussão com a classe porque fere atribuições e vai na contramão das decisões que eliminaram as prerrogativas de foro privilegiado”, disse a promotora.

Outro membro do órgão ministerial que preferiu não se identificar disse que tentou  provocar a Associação Espírito-santense do Ministério Público (AESMP), sem sucesso. Século Diário também tentou contato com o presidente da AESMP, Adélcion Caliman, por telefone, também sem sucesso.  “Alguns colegas se manifestaram. Eu e alguns achamos que é inconstitucional porque fere nossa independência funcional prevista na Constituição Federal”, afirmou. 

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) interpreta que o foro especial se restringe a autoridades que cometem crimes no exercício do cargo ou em função dele. No caso de crimes comuns, os casos devem ser julgados na primeira instância da Justiça, onde atuam os juízes e promotores. Com a mudança proposta pelo projeto, a função passaria do promotor para o procurador-geral de Justiça. Em entrevista ao jornal A Gazeta, Eder Pontes justificou que “o projeto não vai significar qualquer impunidade, uma vez que há várias ações ajuizadas pelo procurador-geral de Justiça contra os membros do MPES e inclusive com condenações e que o projeto foi devidamente discutido no âmbito do Colegiado de Procuradores, que é adequado para isso”.

Competência interna para investigar prefeitos

Em julho deste ano, o procurador-geral de Justiça, Eder Pontes, assinou portaria (número 6.092) que alterou internamente a competência para investigar prefeitos envolvidos em suspeitas de crimes. Pontes repassou à Subprocuradoria-Geral de Justiça Judicial do Ministério Público do Estado (MPES) a atribuição penal para análise de procedimentos investigatórios e processos criminais envolvendo prefeitos. A função estava, anteriormente, ligada à Procuradoria de Justiça Especial, que pela lei pode ser ocupada por até três membros, todos de carreira, da qual o chefe do órgão ministerial também pode fazer parte. 

Segundo o texto da portaria, “considerando que compete ao Procurador-Geral de Justiça definir as atribuições dos Subprocuradores-Gerais de Justiça, inclusive as previstas nos incisos do art. 31 da Lei Complementar nº 95/1997, cujo rol não é exaustivo, resolve: delegar ao Subprocurador-Geral de Justiça Judicial a atribuição em relação à apuração e à persecução penal de eventual crime praticado por prefeito”. A função de confiança é de livre nomeação pelo chefe do MPES. Segundo a legislação, cabe ao procurador-geral de Justiça denunciar e investigar prefeitos, mas o chefe do MPES pode delegar a função.

Entre os vários deveres atribuídos à subprocuradoria-geral de Justiça Judicial, cujo titular é Josemar Moreira, estão, por exemplo, “conhecer das notícias de fato e dos procedimentos investigatórios distribuídos pela Secretaria do Gabinete do Procurador-Geral de Justiça, ajuizar e acompanhar a respectiva ação penal, participar das sessões de instrução e julgamento das ações penais em curso, interpor e contrarrazoar recursos, arquivar representação, propor acordo de não persecução penal”. O subprocurador-geral de Justiça Judicial também poderá arquivar notícias de fato, peças de informação e relatórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). 

Caso polêmico que envolveu as investigações contra prefeitos em gestão anterior de Pontes à frente do MPES foi a Operação Derrama, deflagrada pelo Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), da Polícia Civil, que culminou com a prisão de 31 pessoas, entre eles, 11 ex-prefeitos, pela suspeita de fraudes na recuperação de créditos tributários. Na ocasião, Pontes determinou o arquivamento das provas e da apuração contra autoridades detentores de foro privilegiado, além do desmembramento dos inquéritos aos municípios.

Recentemente, ele assumiu seu terceiro mandato, conclamando “um bom relacionamento entre os poderes”.

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