Em mais um “oba-oba” de encerramento de seu mandato – e de sua carreira política no Espírito Santo, segundo cantam lideranças das mais diversas orientações políticas – o governador Paulo Hartung (sem partido) entregou, na companhia do prefeito de Linhares, Guerino Zanon (MDB), nesta sexta-feira (21), as 609 unidades habitacionais do Residencial Rio Doce, do programa Minha Casa Minha Vida, da Caixa Econômica Federal.
O condomínio está localizado no bairro Aviso, na Rodovia Paulo Pereira Gomes, que liga a cidade ao balneário de Pontal do Ipiranga. Cada unidade possui dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, totalizando 38 metros quadrados. As famílias cadastradas possuem renda mensal de até R$ 1,6 mil e não devem possuir imóvel, entre outros pré-requisitos.
O grande problema está no terreno onde foram erguidos os imóveis, pois são alagáveis, já tendo sofrido dois graves alagamentos desde que a obra foi iniciada, em janeiro de 2011.
A estimativa era de entrega dos apartamentos em 2012, juntamente com outro residencial do programa no município, o Mata do Cacau. Os inúmeros problemas, no entanto, atrasaram o cronograma em mais de seis anos, visto que o segundo empreendimento só deve ser entregue em 2019.
Em função das irregularidades, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, no início de dezembro deste ano, duas ações civis públicas contra os responsáveis pela construção.
As ações
Uma ação (5000805-63.2018.4.02.5004) pede a condenação da AB Empreendimentos Comerciais e de seu engenheiro florestal, Ademar Luiz Zanotti; da empresa Aquavix Engenharia Ambiental; e do engenheiro civil Wanderley Antônio Nogueira à devolução de R$ 7,6 milhões em razão da construção dos residenciais em área suscetível a alagamento.
O valor foi desembolsado pela Caixa Econômica Federal (CEF) com a construção de dois diques para impedir novas inundações no local e para a recuperação das unidades habitacionais afetadas pelo alagamento.
Na outra ação (5000790-94.2018.4.02.5004), o MPF pede que a Caixa Econômica Federal e a AB Empreendimentos Comerciais reparem os danos materiais e morais causados às famílias que iriam morar nos condomínios, que deveriam ter sido entregues em janeiro de 2012. No total, mais de 1,5 mil famílias contempladas pelo programa aguardam a entrega da casa própria.
Nesta ação, além do pagamento pelo dano moral coletivo no valor de R$ 1,5 milhão, o MPF pede que as empresas paguem, a todos os prejudicados, os aluguéis mensais a partir do ajuizamento da ação até a entrega das chaves das unidades habitacionais, em valor de mercado equivalente ao dos imóveis pendentes de entrega; e o pagamento de quantia equivalente a todos os aluguéis pagos pelas famílias selecionadas desde janeiro de 2012 até o ajuizamento da ação.
Histórico
No início de 2010, a empresa AB Empreendimentos apresentou à Caixa proposta de crédito imobiliário, de recursos provenientes do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), para construção de dois empreendimentos enquadrados no Programa Minha Casa Minha Vida: o Residencial Mata do Cacau, com 917 unidades, e o Residencial Rio Doce, com 600 unidades.
Entre a documentação apresentada, estavam os Estudos Hidrológicos da área e o laudo técnico referente ao risco de alagamento, assinado pelo engenheiro Ademar Luiz Zanotti. O laudo dizia que as áreas onde seriam construídos os empreendimentos “não são passíveis de alagamentos, causados pela cheia de enchente maior do Rio Doce”.
Recebida a documentação, a CEF contratou a empresa Aquavix para avaliar os estudos hidrológicos apresentados. Foi confeccionado relatório técnico pelo engenheiro civil Wanderley Antônio Nogueira, que deu parecer acolhendo o relatório elaborado anteriormente.
Considerando as avaliações técnicas, o projeto foi aprovado e a obra iniciada em janeiro de 2011. No entanto, em janeiro de 2012, época de cheia do Rio Doce, os canteiros de obras dos residenciais foram completamente alagados, ocasionando diversos prejuízos e indicando erro nos estudos previamente realizados.
Investigação
Diante da situação, o MPF em Linhares instaurou inquérito civil para apurar as responsabilidades dos envolvidos. Laudo elaborado pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) concluiu que “baseando-se em dados dos últimos dez anos, a área do loteamento apresentava 30% de risco de alagamento associados a eventos com período de retorno de 3,33 anos”. Ou seja, a cada 3,3 anos havia uma probabilidade de 30% de a área alagar.
A documentação também foi enviada ao Setor de Perícia do Ministério Público Federal para uma análise técnica. O parecer pericial concluiu que os elementos levantados na fase de aprovação dos loteamentos, com o objetivo de determinar o risco de alagamento e inundação da área, eram insuficientes.
Confirmando o que foi evidenciado pelos novos laudos produzidos sobre o local, em dezembro de 2013 a área voltou a ser inundada, “evidenciando o grave erro na conduta dos requeridos, a qual foi fundamental para a autorização da construção dos residenciais nas respectivas áreas e, por isso, determinante para a ocorrência do vultuoso dano apurado”, destaca a ação do MPF.