Suspensão imediata da captação de água do Rio Doce em Colatina; acesso, pelas organizações da sociedade civil, dos resultados das análises feitas pela Fundação Renova e órgãos públicos na água que abastece a cidade; análises periódicas dos contaminantes presentes no rio; audiência pública para esclarecimento de dúvidas da população e encaminhamento de soluções.
Essa é a síntese das exigências listadas em um documento assinado por diversas organizações com atuação em Colatina, referente aos impactos da última enchente do Rio Doce no município. O documento será entregue nesta segunda-feira (3) à Promotoria local do Ministério Público Estadual (MPES).
A principal preocupação das organizações é, nesse momento, com relação à qualidade da água que abastece a população, visto que a enchente de janeiro ressuspendeu os contaminantes trazidos pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, há mais de quatro anos.
Já é de conhecimento amplo do Ministério Público Federal e dos órgãos ambientais estaduais e federais, que os rejeitos de mineração estão decantados no fundo do mar e do rio e, a cada forte movimentação das águas, seja por ação das mudanças de maré no mar ou chuvas, por exemplo, esses metais pesados voltam à coluna d' água, intensificando a contaminação ambiental dos recursos hídricos, o que prejudica a biodiversidade e a saúde das pessoas que entram em contato com a água através da pele, da ingestão da água ou de pescados.
Em Colatina, a enchente expôs, novamente, os efeitos do maior crime socioambiental do país, que se renova constantemente, especialmente em eventos extremos como este, de elevação do nível do Rio Doce.
“No município de Colatina, relatos preocupantes da qualidade da água fornecida pelo Sanear [Serviço Colatinense de Meio Ambiente e Saneamento Ambiental] são agravados pelos sinais percebidos pelo povo da contaminação do rio. Peixes mortos, hortas devastadas e essa lama de rejeitos que se comporta de um jeito diferente das enchentes anteriores ao crime da Vale no Rio Doce”, alerta o documento encaminhado ao MPES.
Em vídeo compartilhado nas redes sociais, um pescador desabafa, enquanto navega no Rio Doce na manhã da última sexta-feira (31): “Nós temos que acordar, população de Colatina. Esse rejeito de minério vai matar todo mundo. Olha o que esse rio virou: é um rio lavador de minério. Olha a cor dessa água, isso não é água de enchente, nunca foi. Pelo amor de Deus, Sanear, tem que parar de captar essa água. A população de Colatina tem que se reunir pra Samarco e a Vale voltarem a distribuir água mineral”.
Exigências
Na lista de exigências feitas à promotoria, a suspensão da captação de água do Rio Doce é complementada pelo pedido de consolidação dos projetos de captação alternativa e perene para a cidade, em rios e lagoas próximas, de forma a cessar a penalização da população que, sem confiança na água vinda do Rio Doce, ou gasta do próprio bolso com compra de água mineral, ou se desloca de forma improvisada até fontes alternativas que não possuem garantia de potabilidade.
O direito à informação também é enfatizado pelo documento assinado pelas entidades locais. Inúmeros exames, laudos, testes, análises e pesquisas têm sido feitos nos últimos anos na região com peixes, água, solo e pessoas atingidas, sem que a população tenha acesso a qualquer resultado.
“Não é justo que centenas de milhões sejam gastos com pesquisa em nome de informação para todos e a maior parte da informação siga trancada nos arquivos da Fundação Renova e os órgãos públicos que com ela firmam parcerias”, criticam os signatários, destacando o trabalho feito pela Rede Rio Doce Mar, formada por universidades brasileiras que se dedicam a estudar os impactos ambientais do crime, entre elas, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
As organizações exigem também a realização de uma audiência pública pelo Ministério Público ainda neste mês de fevereiro, para que a população colatinense possa esclarecer suas dúvidas e cobrar providências dos órgãos públicos responsáveis.
“É preciso que os entes federativos cumpram sua função constitucional: Prefeitura, Estado e União devem com seus órgãos defender o interesse público seguindo o princípio da precaução, e cumprir o papel republicano de defender o fraco da agressão do forte, fornecendo aos primeiros os meios para isso, principalmente informações em linguagem acessível para a tomada de decisão esclarecida por todos”, argumentam.
“É um absurdo que a Vale tenha sua própria fundação, seus técnicos e advogados, e os atingidos não contam nem com a assessoria técnica, escolhida há mais de dois anos”, denunciam as entidades.
Assinam o ofício as seguintes organizações: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB/ES); Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Colatina, Marilândia, São Domingos do Norte e Governador Lindenberg; Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Colatina e Governador Lindenberg; Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Vestuário de Colatina; Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil, Associação de Pescadores Profissionais Nova Vida; Associação Pesca de Colatina; Sindicato dos Comerciários de Colatina; Movimento de Mulheres Negras de Colatina Zazimba Gaba; Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho e Previdência Social no Estado (Sindprev-ES); Associação dos Moradores do Bairro Columbia, Associação de Moradores do Bairro São Miguel; Associação de Moradores do Bairro Maria das Graças; Grupo Beneficente Mãos Que Se Cruzam; Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Estado em Colatina.