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Pulverização de agrotóxicos via drones preocupa agroecologistas

Um grupo de empresários, grandes produtores rurais e vereadores de Nova Venécia, no noroeste do Estado, pretende modificar uma lei aprovada há mais de oito anos, para reintroduzir a pulverização aérea de agrotóxicos no município. 

A intenção está claramente anunciada desde a divulgação de uma audiência pública marcada para esta quinta-feira (20), às 9h, na Câmara Municipal, quando será discutida a “aplicação de defensivos agrícolas via drone”. 

Na programação, duas palestras de acadêmicos das universidades federais de Viçosa e do Espírito Santo: Edinei Leandro da Vitória, doutor em engenharia agrícola pela UFV, e Ronaldo Furtado de Oliveira, pesquisador da Ufes em tecnologia de pulverização com drone. O encerramento está previsto para às 12h45, após uma apresentação na prática na Fazenda Cremasco. 

O legislativo local é presidido atualmente pelo vereador Juarez Oliosi (PSB) e, segundo apuraram informalmente alguns agroecologistas, possui muitos edis previamente favoráveis à nova tecnologia. Outros, ainda se dizem indecisos. “O presidente da Câmara já assistiu a duas ou três exposições sobre os benefícios do drone, dizendo que vai tirar a bomba costal do empregado”, relata o agricultor familiar e agroecológico Pedro Paulo Collona, da Associação Veneciana de Agroecologia Universo Orgânico.

O fato, porém, é que os grandes produtores, com mais condições econômicas de contratar os drones, praticamente não usam mais a bomba costal, pois possuem microtratores para a aplicação dos agrotóxicos. “Os menores é que usam bomba costal”, informa. 

Legislação 

A proibição legal de pulverização aérea de agrotóxicos foi determinada em novembro de 2011, logo depois de Vila Valério aprovar uma semelhante, e foi seguida por Jaguaré e Boa Esperança, anos depois. Todos municípios do norte e noroeste capixaba, onde as terras plantas foram dominadas há mais de meio século pelo agronegócio, seja de eucalipto, cana-de-açúcar, café ou mamão, pra citar as mais importantes. 

Em Nova Venécia, a Lei Municipal nº 3121 define, ao infrator, multa equivalente a 1.500 VRTES [Valor de Referência do Tesouro Estadual] por hectare pulverizado. Nos casos em que não for possível apurar o infrator, estabelece a lei: “poderão ser responsabilizados solidariamente pelo pagamento da multa o proprietário ou possuidor do imóvel a qualquer título, o proprietário da lavoura cultivada e também a indústria que receber ou proceder a matéria-prima oriunda das áreas pulverizadas”. 

A aprovação da lei se deu num momento em que o município acumulava casos de contaminações por agrotóxicos pulverizados por aeronaves, de escolas, comunidades, bairros urbanos, cursos d' água e pessoas que caminhavam nas estradas rurais. Casos registrado em boletins de ocorrência e noticiados na imprensa, recorda Pedro Paulo. 

A tecnologia atende principalmente aos grandes empresários de café do município, observa o agroecologista. Pois são os que têm condições financeiras de pagar pelas horas de voo. Mas na época da aprovação da lei, também pequenos produtores passaram a utilizá-las, o que foi ainda mais trágico, pois quanto menor a propriedade contratante, maior o risco de “deriva” – a dispersão do veneno para as vizinhanças. “Quem tinha dois, três hectares, estava usando. Molhava mais os vizinhos do que a propriedade dele. Era muita deriva”, lembra.  

Representante da entidade na Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg), Pedro Paulo é assentado da reforma agrária e praticante da agroecologia há dez anos, quando fez a conversão que o livrou dos venenos agrícolas. Produtor de frutas, hortaliças, café, milho, feijão, entre outras culturas comuns na região, é certificado pela Chão Vivo e também pela OCS da Universo Orgânico, que congrega cerca de trinta produtores agroecológicos. 

Mesmo reconhecendo que o drone é uma aeronave que a princípio pode permitir mais precisão na aplicação aérea dos agrotóxicos do que os aviões tradicionais, ele se preocupa com os desdobramentos que uma possível anulação ou modificação da lei pode trazer. O primeiro temor é no sentido da permissão para os drones abrir caminho para a retomada dos aviões e, com isso, a volta dos trágicos episódios de contaminação. 

“A gente não quer agrotóxicos, quer uma política de produção agroecológica, que apoie o produtor, tanto os já agroecológicos quanto os que querem fazer a conversão”, afirma. Na busca por apoio ao pleito de manutenção da lei, a Universo Orgânico recebeu confirmação do promotor de Justiça local (MPES), Lélio Macarini, além de servidores dos Institutos Federal do Espírito Santo, Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural e de Defesa Agropecuária e Florestal (Ifes, Incaper e Idaf). 

Realidade desconhecida 

Dados do Idaf, sistematizados pelo Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat), do Ministério Público Estadual (MPES), dão conta do consumo de 4,6 mil quilos/litros de agrotóxicos em Nova Venécia no primeiro semestre de 2018. 

Desse total, 71% são de herbicidas, como o glifosato, da Monsanto. Outros 581,46 kg são de Inseticidas/acaricidas, 526,50 kg de fungicida/bactericida, 202 kg de adjuvantes e kg 22 de reguladores de crescimento. 

Os números oficiais, porém, estão muito aquém da realidade do município, acredita o engenheiro agrônomo Edegar Formentini, que sistematizou as receitas agronômicas enviadas pelas lojas locais ao Idaf. 

A hipótese foi confirmada pelo extensionista e coordenador do escritório local do Incaper de Nova Venécia, Moizés Marré. “Os grandes produtores, de café, de mamão, compram direto dos fornecedores. Esses revendedores de venenos vendem direto nas propriedades. E esses dados não passam pelo Idaf. As lojas na cidade são pra agricultura familiar”, explica. Moizés. 

Há propriedades no município que cultivam um milhão de pés de café ou até mais, conta o extensionista. “Elas não pegam veneno nas lojinhas. E o Idaf não tem nenhum controle sobre isso. O uso de agrotóxico pelas médias e grandes propriedades não tem nenhum controle pelo Estado”, afirma. 

Enquanto o Idaf prepara uma normativa e uma estratégia que dê conta de monitorar esse consumo maior, é possível fazer vagas projeções do quanto de veneno está de fora dos dados oficiais. 

Edegar usa o exemplo de uma propriedade com um milhão de pés de café: essa produção ocupa cerca de 400 hectares. Usando uma dosagem média de três litros de Roundup (herbicida com princípio ativo glifosato, o mais usado no Estado, no Brasil e no mundo) por hectare, por aplicação, teríamos um total de 1.200 litros por aplicação. São em média três aplicações por ano, totalizando 3.600 litros anuais de Roundup. 

Os dados do Idaf para Nova Venécia indicam, apenas de herbicidas, o consumo anual de 6.695,64. Apenas uma única grande fazenda de café consome metade disso por ano. Apenas uma. Quanto será no total, considerando todas as grandes propriedades que compram direto dos revendedores? Quantas toneladas de venenos esses grandes empresários e os vereadores querem voltar a jogar, do ar, sobre os cursos d' água e comunidades da região? 

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