“Eu já tinha ouvido falar sobre ejaculação feminina, uma amiga me contou que teve, mas eu sempre achava que era uma coisa meio forçada, tipo filme pornô, e nunca pensei muito no assunto. Mas, há um tempo, estava me masturbando e quando cheguei ao orgasmo senti um jato de água na minha mão. Na hora achei estranho, que pudesse ser xixi, mas eu não estava com vontade de fazer xixi, e também não tinha cheiro de xixi. Fiquei ali naquele estado de êxtase e ao mesmo tempo de estranheza, por não saber o que era aquilo, e aí que fui lembrar dos relatos da amiga, e que era a ejaculação feminina!”.
“Eu percebi que aumentou muito após os 40 anos. E com um namorado em especial. Era um relacionamento de muita excitação, muita sedução, muitas fantasias, e eu jorrava. Toda vez que transava com ele, tinha que trocar o lençol. Pensava que era excitação natural do ato, mas ficava com um pouco de vergonha, porque achava que tinha xixi junto. Foi quando ele disse: ‘eu adoro sua cachoeira’ e fiquei mais tranquila”.
Os relatos são de duas capixabas, aqui identificadas como Luisa Albuquerque e Ana, respectivamente. Empresária e professora, aos 27 e 51 anos, ambas fazem parte de um grupo ainda seleto de mulheres que têm consciência sobre sua capacidade de ejacular durante o sexo, seja em masturbação ou com um parceiro.
Toda mulher pode ejacular? É possível que sim, acreditam os também poucos estudiosos do assunto no Ocidente. No livro O Orgasmo Múltiplo da mulher, de 2008, os autores Mantak Chia e Rachel Carlton Abrams relatam que a ejaculação feminina foi documentada no Ocidente na década de 1950, mas só recentemente tem sido aceita como um fenômeno concreto na imprensa leiga. Nas tradições orientais, no entanto, ela é conhecida há milênios.
“Há vários milhares de anos, Su Nu, conselheira sexual do Imperador Amarelo, comentava a importância das ‘três águas’ das mulheres e descrevia as ‘emissões copiosas’ do coração íntimo (sinônimo da área da vagina) de uma mulher, durante a excitação sexual”, informam Mantak e Rachel, citando ainda que “o primeiro livro popular sobre o ponto G e a ejaculação feminina” teria sido publicado na América em 1982, por Alice Ladas, Berverly Whipple e John Perry. Em sua pesquisa, o trio entrevistou anonimamente 1.183 mulheres profissionais liberais nos Estados Unidos e no Canadá. Delas, 40% informaram soltar um fluido no momento do orgasmo.
Segundo Mantak e Rachel, a ejaculação feminina pode variar de apenas algumas gotas ao suficiente para encharcar os lençóis. “Algumas mulheres ejaculam em um jorro impressionante enquanto outras (provavelmente a maioria) gotejam um fluido, que é mais frequentemente identificado como ‘mancha úmida”, descrevem. “Você talvez já ejacule e sequer saiba disso”, provocam.
Antes de décadas recentes, afirmam, “muitas ejaculadoras se preocupavam com o fato de que pudessem estar urinando com o ato sexual. Infelizmente, algumas delas até sofreram correção cirúrgica do que foi equivocadamente interpretado pelos seus médicos como incontinência urinária”, lamentam.
A análise do conteúdo do fluido, porém, feita por Ladas, Perry e Whipple, assim como várias outras equipes de pesquisa, revelou que o sêmen feminino é bem diferente da urina. “O sêmen feminino tem um teor muito mais alto de açúcar do que urina. Tem também uma concentração muito mais baixa dos produtos residuais que fazem a urina cheirar, digamos, como urina – ureia e creatinina”, explicam.
Sexo é vida
A psicóloga Claudia Calil, adepta da Medicina Psicossomática e da Neurociência, entende que o baixo conhecimento sobre o assunto no Novo Mundo acontece “diante de tanto machismo”, em que “a mulher cala o corpo não se permitindo prazer diante da vida e até mesmo o prazer de ser mulher”.
“Assim são as relações ‘frígidas”, adverte Claudia. “Quando a mulher não é convidada a se conhecer, quem irá conhecer o próprio corpo da mulher, quais são os toques? Como ela gosta e deseja ser abraçada e tocada?”, incita.
O atual machismo, explana, permite apenas ao homem o direito ao gozo. “O homem passa a ser o dominante, ativo, enquanto a mulher é apenas uma figurante passiva que sente o prazer por ser dominada por este homem que detém tudo, prazer, vigor e energia”, compara.
Uma solução para equilibrar a desigual distribuição da “permissão para sentir prazer”, acredita a psicóloga, passa pela educação sexual. “A educação sexual deve ensinar que a energia sexual é a energia de vida e não deve ser banalizada, negligenciada ou punida”, ressalta. “Sexo não é pornografia. Sexo é uma ponte para conexão com outro indivíduo. A energia sexual é a força de vida e pode ir para o sexo, que é o ato propriamente dito, ou para a criatividade”, orienta.
Num mundo onde metade dos homens sofre com ejaculação precoce e a maioria das mulheres sequer conhece a existência da ejaculação feminina, é preciso mesmo rever profundamente o que se entende por sexo e revelar muitos dos mistérios sobre a anatomia do prazer feminino. Para o bem de homens e mulheres! Pois enquanto quase todas as filosofias espirituais milenares do Oriente enfatizam os benefícios da não-ejaculação masculina, a visão ocidental, centrada no falo masculino, impinge sofrimento também ao homem, que vai pro ato sexual preocupado principalmente em ejacular, fazendo com que o ato sexual praticamente só possa se considerar de fato consumado se ocorre a ejaculação masculina.
Água sagrada
“A mãe terra, que é feminina, tem seus mistérios e segredos”, lembra Claudia. A mulher tem o seu gozo que se faz necessário para encher as águas do planeta”, poetiza, fazendo referência ao documentário Sacred Water, do cineasta francês Olivier Jourdain.
Lançado em 2016, o filme se passa em Ruanda, na África Oriental, onde a cultura popular cultiva o conhecimento milenar das técnicas que levam a mulher a ejacular e, assim, conservar vivas as águas do planeta.
Em sua coluna, a jornalista Nathalia Ziemkiewicz, especialista em educação sexual, comenta o documentário. “Tudo começa com as preliminares, vocês conversam, se acariciam, se sentem à vontade, não têm pressa”, publicou Nathalia, transcrevendo a fala de um ruandês documentado na obra de Olivier.
Uma das sequências descritas no filme, aborda a colunista, consiste no homem segurar o pênis ereto e utilizar apenas a ponta do órgão para estímulos externos, dando leves batidinhas por toda a vulva, massageando os lábios vaginais, o clitóris e o períneo de diferentes formas – círculos, zigue-zague, de cima para baixo.
Depois é que se parte para a estimulação interna, penetrando lentamente e, ainda segurando o pênis com as mãos, alternando os movimentos dentro do canal vaginal. “No primeiro terço da vagina (em média a três centímetros de profundidade), as paredes são mais sensíveis. Ali vale friccionar bem a glande em vários sentidos e ritmos. A intensidade do vai e vem aumenta à medida que ela fica excitada ou pede”, relata a jornalista, já fazendo menção à técnica ruandesa Kunyaza, voltada a favorecer o jorrar das águas femininas sagradas.
“A sensação é de uma água morna escorrendo. Antes, durante e depois da penetração. É preciso que haja longas preliminares, masturbação com dedo e língua”, ensina a professora Ana, personagem do início desta matéria. “Quem teve paciência pra fazer isso, ganhou minha cachoeira de presente”, diverte-se.
“Ri muito de mim mesma”, conta a empresária Luisa. “Achava que me conhecia, mas na verdade, estamos sempre nos conhecendo, e quando se fala das potências do orgasmo da mulher, tem sempre muito para se conhecer, experimentar, se permitir e descobrir!”, consagra.