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‘Não basta ganhar eleições. É preciso ter força social organizada’

Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Valter Pomar é dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual é filiado desde 1985. É candidato à presidência do partido nas eleições que ocorrem em novembro deste ano pela chapa “Esperança é Vermelha”, considerada à esquerda dentro do PT.

Nesta sexta-feira (28), Pomar estará em Vitória, onde participa de duas atividades. Pela tarde, às 14h, estará no Auditório Augusto Ruschi, na Assembleia Legislativa, num seminário com o tema “A esquerda brasileira e o Foro de São Paulo”. Às 18h30, o professor dividirá a mesa com a deputada estadual Iriny Lopes num debate sobre conjuntura política organizado pela tendência petista Articulação de Esquerda no Sindicato dos Estivadores, Centro de Vitória.

O dirigente petista concedeu entrevista ao Século Diário sobre o atual momento do país e os desafios da esquerda diante deste momento histórico.

– O cenário que se anunciava após a eleição de Bolsonaro era tenebroso. Após seis meses, algo surpreende? Ou acontece o que já esperava?

O Bolsonaro foi eleito com um programa de submissão do Brasil aos Estados Unidos, de destruição dos direitos sociais e de redução das liberdades democráticas. Ele está cumprindo esse programa. Não vou aqui elencar os exemplos, acho que não é necessário. Ele está cumprindo o programa que ele defende.

Por outro lado, havia uma dúvida se ele aplicaria esse programa com maior velocidade ou com menor velocidade. Ele tem tido dificuldades para implementar esse programa, em parte por conta da resistência popular, em parte por conta das divergências dentro da própria coalizão. Essas divergências são imensas. Uma parte dos que apoiaram a eleição do Bolsonaro falou abertamente que era melhor ele ser interditado. Isso também não me surpreende porque ocorreu com a eleição do [Fernando] Collor de Mello, que foi eleito em 1989 e pouco tempo depois uma parte dos que o elegeram se voltou contra ele.

A gente só precisa ficar esperto com o seguinte: do mesmo jeito que caiu o Collor e a política neoliberal prosseguiu, não é impossível que mais adiante o Bolsonaro venha ser afastado por suas características, pelas suas digamos, vicissitudes, e seu programa continue sendo implementado, porque uma figura com [Hamilton] Mourão [PRTB-RS] ou como Rodrigo Maia [DEM-RJ] são tão comprometidos com esse programa antinacional, antidemocrático e antissocial quanto Bolsonaro.

Portanto, a esquerda tem sempre que lembrar que o problema não se resume à pessoa do Bolsonaro, o problema é derrotar o conjunto das forças que fizeram o impeachment, condenaram, prenderam e interditaram Lula e participaram da eleição de Bolsonaro. Essa coalizão golpista tem que ser derrotada.

– Apesar de ser um momento difícil para o campo progressista, parece que também não está fácil para o governo. Acha que os conflitos internos podem abrir brechas para a atuação da esquerda? 

Olhando estrategicamente, claro que os setores progressistas, democráticos, de esquerda estão numa situação difícil. Mas menos do que estávamos há cinco meses. A verdade é que a luta contra o governo Bolsonaro tem crescido de intensidade e os problemas internos ao governo têm se acentuado. 

O que é preciso perceber é que a dinâmica desse governo é diferente da dinâmica do governo Sarney, FHC, e mesmo do governo Collor. Esse é um governo liderado por um núcleo duro que não tem medo de se isolar e não tem medo de radicalizar. A tática adotada por esse núcleo duro do governo Bolsonaro é coerente com os propósitos que eles defendem para o país. Eles defendem a destruição dos direitos sociais, sabem que isso vai piorar a vida do povo, e por isso defendem a restrição das liberdades democráticas, por isso defendem a maior repressão, a criminalização dos movimentos, medidas antidemocráticas.

E como eles sabem que uma parte da coalizão que votou no Bolsonaro tem dúvidas sobre o nível de repressão necessária, esse núcleo duro do governo vem adotando uma postura que é de inclusive golpear os aliados vacilantes. 

Note que as mudanças que ocorreram no governo recentemente são todas no sentido de acentuar a linha dura. A mudança na Funai para atender ao agronegócio, a mudança do que estava à frente dos Correios, porque disse que não era a favor de privatizar, a mudança do [Joaquim] Levy porque colocou alguém que já foi do governo petista, a mudança do general que estava à frente da Casa Civil colocando um militar da ativa conhecido pelo bolsonarismo. Há um conjunto de mudanças no governo que acentua a linha dura. Por isso que a gente não deve se iludir muito com os conflitos internos da coalizão governista.

Primeiro porque esses conflitos não dizem respeito aos direitos sociais. O conjunto da coalizão governista quer restringir os direitos sociais. Em segundo lugar porque essas divisões não impedem que o núcleo duro do governo continue em marcha batida no sentido de enfrentar os interesses nacionais, sociais e democráticos. O que pode abrir espaço para a esquerda é a própria mobilização da esquerda, é a própria capacidade de conscientizar, mobilizar a classe trabalhadora. Nós não devemos ter expectativas de que as divisões do lado de lá vão facilitar nossa movimentação. O que a gente deve ter expectativa é que a nossa capacidade de organização e luta seja suficiente para enfrentar e derrotar a coalizão governista e o núcleo duro da coalização que é liderado pelo Bolsonaro.

– Como analisa as reportagens do jornal The Intercept sobre as conversas do então juiz Sergio Moro? O que revelam e qual sua importância a nível político e judicial?

As reportagens do The Intercept apenas confirmam aquilo que nós temos dito há anos. A Operação Lava Jato como um todo – e o Moro em particular- desrespeitou princípios básicos do Direito. Por exemplo, de que o juiz não faz parte da acusação. Porque se o juiz fizer parte da acusação, não há nenhuma chance dos argumentos da defesa sensibilizarem o juiz. O que o The Intercept está comprovando é que o Moro foi o tempo todo parte integrante da acusação e portanto o julgamento do Lula em particular foi uma farsa porque ele já estava condenado não importa o que ele dissesse, o que ele comprovasse, o que ele argumentasse.

Portanto, do ponto de vista político, o que o Intercept revelou confirma aquilo que a defesa e toda campanha Lula Livre vem afirmando: o Lula é um preso político. Ele não está preso porque cometeu algum crime, ele está preso porque os que o condenaram queriam tirá-lo da campanha presidencial porque sabiam que ele venceria e o Bolsonaro não seria presidente da República.

Agora, para que essas revelações políticas tenham impacto judicial, é preciso que a cúpula do Judiciário abandone a barca golpista. Porque os crimes que o juiz Moro cometeu não são segredo, nunca foram um segredo. Esses crimes foram cometidos de maneira explícita, os ministros do STF, os que julgaram em segunda instância, sabiam que o Moro tinha agido ao arrepio da lei e não fizeram nada, porque eram parte do golpismo.

Claro que houve ministros do STF que se rebelaram contra isso, e cito o caso exemplar do [Ricardo] Lewandoviski, mas foi a exceção. A regra foi outra. A regra foi se solidarizar com o golpismo, fechar os olhos, olhar para o outro lado. E por isso, como a gente viu no julgamento do habeas corpus do Lula, continua prevalecendo no STF, no caso em uma das turmas, uma postura de passar o pano naquilo que o Moro fez, como se não tivesse claríssimo que o julgamento foi uma farsa. Então para que essas revelações tenham impacto judicial, é preciso que a pressão política se torne insuportável para esses juízes do Supremo e outras instâncias que coonestaram com esses crimes cometidos pelo Moro.

– A decisão do STF nesta semana coloca outro balde de água fria sobre a possibilidade de liberdade de Lula. Dá pra acreditar que a justiça possa decidir a favor do ex-presidente? Qual a importância da pauta do Lula Livre?

A justiça brasileira não merece esse nome, vamos falar do Poder Judiciário. O Poder Judiciário pode decidir a favor do presidente Lula? Sim. Pode se a pressão social se tornar insuportável para que eles não consigam decidir de outra forma. Uma parte desses juízes votou contra o habeas corpus do Lula no passado porque havia um fuzil apontado na cabeça deles. Vamos lembrar dos tweets do general Villas Boas e outros. Há uma pressão militar que agora chega direto no presidente do Supremo, Toffoli, que é submisso às pressões do aparato militar, que é submisso aos interesses daqueles que queriam prender o Lula para tirá-lo da disputa presidencial. Essa gente só vai respeitar a lei e fazer valer a lei e decidir em favor do presidente se a pressão popular se tornar muito poderosa. Por isso a campanha Lula Livre é fundamental, a campanha de massas pela liberdade do Lula é que pode libertá-lo.

– Depois da greve geral, quais as estratégias do campo popular para barrar a reforma da Previdência? Acredita que há chance real de deter o projeto da reforma?

Os setores populares, o movimento sindical, o campo democrático, a esquerda está em primeiríssimo lugar trabalhando para jogar a reforma da Previdência para depois do recesso, para que nós tenhamos tempo durante o recesso para ampliar a pressão sobre os parlamentares. É preciso que os parlamentares no recesso sofram pressão direta na suas casas, no seus escritórios, nas suas cidades, nos seus estados. Que eles saibam que quem votar a favor dessa reforma não vai voltar nas próximas eleições. Portanto nós temos que continuar a mobilização, haverá novas paralisações, novas greves e muito corpo a corpo com os parlamentares que estão dispostos a votar nessa reforma que destrói a Previdência.

Essa é a linha de maneira geral que o campo popular tem adotado para barrar a reforma. Há chance? Claro que há. Nós já conseguimos com essa pressão que foi feita que alguns aspectos da reforma não sejam votados agora. O relator da reforma foi obrigado a excluir alguns pontos e amenizar outros. Claro que isso não resolve nada, eles podem reincluir dentro da comissão, podem repor no momento de votação da reforma, como podem apresentar novos projetos mais adiante. A luta obteve alguns pontos, mas é preciso muito mais luta e pressão para que essa reforma tenha o mesmo destino da reforma apresentada pelo governo Temer.

– Quais os rumos entende que o PT deve tomar para se fortalecer para os desafios que estão colocados na atual conjuntura? 

O Partido dos Trabalhadores está realizando um processo de congresso. No dia 8 de setembro, os dois milhões de filiados em todo país estão convidados a votar em diferentes chapas elegendo delegados e delegadas que vão se reunir no congresso nacional do partido em novembro. No congresso nacional será eleita a nova direção nacional do PT, a nova presidência nacional do PT, e serão aprovadas as orientações políticas do partido para o próximo biênio.

Na minha opinião existem três grandes posições disputando dentro do PT. Uma que enxerga o PT como uma legenda eleitoral, que trata o PT de maneira tradicional e fisiológica. Existe uma outra posição que encara o PT como uma espécie de partido social-democrata, um partido cujo objetivo máximo é melhorar as condições de vida do povo, ampliar a democracia, ampliar a soberania, e tudo isso feito de maneira estritamente ordeira, eleitoral, lenta e gradual. E existe dentro do PT um setor que defende tudo isso – melhorar a vida do povo, ampliar a democracia, garantir a soberania e integração regional, melhorias aqui e agora – mas também subverter profundamente a sociedade em que vivemos.

A gente não quer só melhorar a vida do povo, a gente quer que o Brasil seja um país baseado na igualdade social, numa democracia radical, um país que luta contra o domínio que os Estados Unidos impõem ao mundo. Nós queremos um Brasil socialista e para isso nós confiamos muito na luta social. Sabemos que as urnas registram aquilo que as ruas tiverem conquistado. Não basta ganhar eleições. Nós vimos o que aconteceu no impeachment. É preciso ter força social organizada para impedir golpes, sabotagens, ditaduras.

Existem essas três posições dentro do PT, em linhas muito gerais, e isso que o congresso do partido vai ter que decidir. Eu sou daqueles que entende que para enfrentar um governo como Bolsonaro, uma situação política como a que a gente vive no país desde o processo de impeachment, o PT precisa mudar muito, recuperar apoio junto à classe trabalhadora, precisa estar disposto a lutar pelo poder, pelo socialismo, precisa investir mais na lutas sociais, entender que as eleições são momentos de demarcar o campo e não fazer aliança com partidos tradicionais, conservadores, de direita, essa é a linha que eu entendo que pode fazer o PT ser vitorioso. O outro caminho vai produzir um desastre se ele for vitorioso. O outro caminho é uma ameaça à sobrevivência do PT.

– Sobre o Espírito Santo, você tem acompanhado a política daqui? Como enxerga o governo de Renato Casagrande e os mandatos petistas no Estado?

Eu tenho acompanhado a política do ES como de outros estados do Brasil, mas eu não sou a pessoa idônea para falar a respeito. Quem tem que falar é quem está aí, quem milita no Estado e está à frente da luta política e social no Espírito Santo. Evidentemente, também tenho acompanhado muito o mandato da deputada estadual Iriny Lopes, uma companheira de décadas, e sabemos do perrengue que ela enfrenta, pela situação política que o Estado vive, pela composição da Assembleia Legislativa. Mas nós temos muita confiança política na companheira e estamos seguros de que ela conseguirá, como sempre conseguiu, honrar o voto que ela recebeu do povo capixaba.

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