Foi lançado no último fim de semana o documentário Senhoras do Dendê, que contou com exibições nos quilombos de Linharinho e Angelim e no povoado de Itaúnas, em Conceição da Barra. Originário da África, os dendezeiros foram trazidos ao Brasil junto aos negros escravizados na época colonial. Por seu azeite e outros usos alimentícios e rituais, tornou-se elemento fundamental especialmente nas religiões de matriz africana e nos quilombos surgidos no país.
No Espírito Santo, na principal área quilombola, conhecida como Sapê do Norte, englobando os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, as chamadas Senhoras do Dendê são guardiãs dessa tradição, mantendo e transmitindo os saberes e fazeres coletivos que vão desde o cultivo até a extração dos frutos e elaboração do azeite e seu uso. Seja no Sapê do Norte como na Grande Vitória, algumas senhoras ocupam posições de destaque nas casas de candomblé e umbanda, onde se faz uso do dendê seja para cozinhar alimentos como o akará (também conhecido como acarajé) como para uso das folhas da planta em rituais.
Foto: Divulgação/ Senhoras do Dendê
O projeto que resultou no documentário foi fruto de encontros entre estas Senhoras do Dendê de diferentes lugares, muitas delas que ainda não se conheciam. “Nesses encontros discutiam-se a memória, a ancestralidade e a territorialidade afro-brasileira em torno do dendê, destacando o uso sagrado, culinário e cosmético dessa planta de origem da costa atlântica do continente africano que se adaptou ao Sapê do Norte desde o tempo da escravização de africanos neste território”, diz a descrição do projeto.
Há muito tempo as comunidades quilombolas fazem manejo sustentável dos dendezeiros, embora denunciem que as empresas que praticam monocultivo de eucalipto desde os anos 60 junto a órgãos públicos busquem criminalizar e exterminar os dendezeiros sobre alegação de serem “exóticos”, embora sejam considerados pela Embrapa como espécie subespontânea não-invasora e não exista em forma de monocultivo na região, ao contrário do eucalipto.
“A história do dendê eles tão fazendo igual fez com nossos antepassados que veio da África: matando! Porque se eles tiram o dendê de nossa vida sabem que tão tirando uma cultura e um alimento sagrado de nossa mesa. Pra nós o dendê é tudo. Pra muitas pessoas o dendê é um invasor, mas não é. O dendê já veio acompanhando os africanos desde África. Quer dizer então que nós somos invasor?”, questiona Gessi Cassiano, da comunidade de Linharinho que é mestra nos ofícios culinários e também desempenha funções em questões religiosas.
Foto: Divulgação/ Senhoras do Dendê
Outra dessas guardiãs do dendê no quilombo é Dona Claudentina Trindade, a Dintina, da comunidade de Angelim 1. Ela conta que toda Sexta-Feira Santa sua mãe chamava toda família para tomar uma colher de azeite de dendê com alho em jejum. “Dizia que era para fechar o corpo”.
Além de mestre em ofícios tradicionais da cozinha quiombola, ela também é preparadora de remédios de ervas, para benzimentos, rezas, ladainhas. Dintina aponta que além de ser necessário uma série de práticas para transformar o fruto em azeite, também há certas tradições e rituais que envolvem o processo. “Tem muita ciência pra tirar o óleo. Na hora de apurar no fogo, que o óleo vai subir, tem que ter o silêncio. Não pode falar muito, não pode gritar, não pode tomar raiva, não pode zoada nenhuma”, conta Dona Claudentina.
Com 40 minutos de duração, o documentário teve direção de Jefferson de Albuquerque Junior, Auzerina Baptista e Jefferson Gonçalves.”O trabalho buscou destacar a fala de cada mulher, sacerdote e sacerdotisa sobre o dendê na cultura dos povos africanos e seus descendentes”, explica Jefferson Gonçalves. Depois da apresentação do documentário na região em que foi gravado, a expectativa é que a obra em breve seja exibida também em São Mateus e Vitória e depois em outras localidades, em datas ainda a confirmar.