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Dados imprecisos, inconformidades e mentiras colocam poluidoras na berlinda

As multas milionárias emitidas nos últimos dias contra a ArcelorMittal pela Prefeitura da Serra e o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) – R$ 9 milhões e R$ 2,7 milhões, respectivamente – expõem a necessidade que o Estado abra a “caixa-preta” da poluição do ar emitida pela siderúrgica e pela Vale. 

“Caixa-preta” essa que esconde fatos fundamentais para entender o porquê da perpetuação de uma situação tão esdrúxula vivida pelos moradores da Grande Vitória que, mesmo sendo vizinhos de duas das mais poderosas empresas do país e do mundo, são assolados diuturnamente com níveis de poluição insustentáveis do ponto de vista do meio ambiente e da saúde pública. 

Entre esses fatos, destacam-se a falta de transparência e mesmo de confiabilidade dos dados oficiais sobre as fontes industriais de poluição atmosférica e a ausência de investimentos em estudos que comprovem a óbvia relação entre o pó preto e outros poluentes e problemas de saúde diversos. 

Sobre o primeiro ponto, manifestou-se nessa quarta-feira (17) o deputado estadual Rafael Favatto (Patri), em reunião da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, da qual é presidente, ao solicitar ao diretor-presidente do Iema, Alaimar  Fiuza – ex-funcionário da Vale por 30 anos, antes de assumir o órgão ambiental – que providencie um recall do Inventário de Fontes Emissões Atmosféricas da Grande Vitória Ano-base 2015, apenas uma semana após seu lançamento. 

Citando estudo feito pela ONG Juntos SOS ES Ambiental, Favatto argumentou que o Inventário não traduz o estado real atual da poluição do ar na região metropolitana, pois não considerou adequadamente três grandes unidades que compõem o complexo industrial de Tubarão: as Usinas I e II da Vale, que estavam paradas no período da pesquisa e só foram reativadas em 2018; e a Sol Coqueria, que não teve suas emissões contabilizadas como emitidas pela ArcelorMittal Tubarão, pois, na época, ela ainda não havia sido incorporada oficialmente ao conglomerado siderúrgico. 

Em Plenário, o presidente da Comissão de Meio Ambiente mostrou uma tabela com os números de emissões das duas gigantes, comparando, entre si, os dados do inventário de 2009; do Inventário de 2019 ano-base 2015; das três unidades não contabilizadas adequadamente; e das projeções de aumento de poluição estabelecidas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que embasaram o licenciamento da expansão das Usinas I a VII e a construção da usina VIII da Vale. 

No caso da Vale, ao somar os dados do Inventário 2019 ano-base 2015 com as emissões medidas nas Usinas I e II no inventário anterior, quando elas ainda estavam operando, tem-se um total que se aproxima mais da realidade atual, pois as duas usinas voltaram a operar há menos de um ano. Se hoje elas emitem menos ou mais do que antes de terem sido paralisadas, só uma nova medição irá responder. 

Explicando em números, tomemos o exemplo dos Óxidos de Nitrogênio (NOx) da Vale. Enquanto o EIA-Rima estabeleceu que a expansão da capacidade produtiva da mineradora deveria aumentar para no máximo 680,8 g/s as emissões desse poluente, as emissões atuais reais se aproximam de 1023 g/s, somando os 103g/s das Usinas I e II com os 920 g/s medidos no Inventário 2019. 

De forma semelhante se dá com os outros seis poluentes medidos – materiais particulados totais, PM 10, PM2,5, Dióxido de Enxofre (SO²), Monóxido de Carbono (CO) e compostos voláteis – nas duas empresas. 

“Em todas as colunas com os números de emissões, os valores [estimados para a realidade atual, somadas as unidades não medidas adequadamente no Inventário 2019 Ano-base 2015] são infinitamente superiores aos informados no relatório de fontes e muito maior que o baseado no EIA, que deu sustentação à liberação da Licença de Instalação 163/2007 [LI que autorizou a expansão da capacidade produtiva da Vale]”, declarou Favatto em plenário, enfatizando ainda que esse aumento da poluição do ar “aumenta em muito o índice das doenças respiratórias além dos transtornos nas casas da pessoas”.

Saúde

De fato, o também médico José Carlos Perini, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia no Espírito Santo, assevera que a poluição atmosférica da Grande Vitória provoca muitos males à saúde da população.

E mesmo o chamado pó preto, sobre o qual a Vale e a ArcelorMittal continuam encontrando subterfúgios para negar seus impactos sobre o aparelho cardiorrespiratório, Perini afirma que é um fator inegável no desencadeamento de doenças e transtornos à saúde. 

“O argumento das empresas é que o pó preto é inerte, por não se integrar às paredes do pulmão como a sílica do pó de granito, por exemplo, que interage com a mucosa dos pulmões. Mas não é essa a questão. As partículas muito pequenas, como as PM 2,5 ou PM 1,0, chegam nos alvéolos pulmonares e provocam reações inflamatórias. Se a pessoa tiver alguma DPOC [doença pulmonar obstrutiva crônica], como efisema, ou faringite, rinite e sinusite, o pó preto provoca uma reação inflamatória. O contato dos pulmões com essas micropartículas provoca tosse, aumento de coriza e secreção pulmonar, e vermelhidão das mucosa e da pele”, explica o especialista. 

As partículas chamadas de PM1,0 são mil vezes mais finas que um fio de cabelo e não são medidas pelo Iema, compara o médico. “E as PM2,5 não são medidas desde a inauguração da Usina VIII da Vale”, lembra. Essas micropartículas, acentua, que são geradas a partir principalmente dos depósitos de minérios empilhados nos pátios, “passam para os vasos sanguíneos, formando trombos, aumentando risco de infartos”, alerta. 

Apenas a parte visível do pó preto realmente não realiza esse caminho tão invasivo no sistema cardiorrespiratório, esclarece o alergista e imunologista. O problema é que, junto a essas macropartículas visíveis, estão as não visíveis a olho nu, que provocam as doenças. 

Mas mesmo as partículas maiores, que “apenas” causam transtornos à limpeza dos imóveis, como alegam as poluidoras, também afetando sim a saúde da população. “Saúde não é ausência de doenças, é qualidade de vida”, enuncia, ressaltando que o fato de ter a casa constantemente inundada do pó preto e brilhante é um fato que prejudica a qualidade de vida, afetando a saúde, dentro de uma visão mais moderna e global de saúde. 

Para o presidente da Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi Junior, “cada vez mais fica claro que os investimentos feitos pelas empresas em Tubarão são mal feitos e mal projetados, e não trazem os resultados necessários para garantir a qualidade de vida da população” e que os resultados alcançados são medidos de forma ineficiente pelo Estado. 

“Como vamos conseguir que os investimentos sejam feitos de forma que tragam realmente resultado par melhoria de qualidade de vida da sociedade e não sejam apenas investimentos de marketing, como o canhão de névoa da Vale?”, questiona o ambientalista. 

“Talvez nesse recall [pedido pelo Favatto ao Iema] já seja possível usar tecnologia e protocolos que possam medir adequadamente as fontes difusas”, provoca, referindo-se ao próprio relatório do Inventário 2019, em que a empresa contratada pelo Iema, a Ecosoft, admite que não dispunha de meios adequados para medir as emissões de diversas unidades, com destaque para as chamadas fontes difusas.

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