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Arte, política e história na peça ‘Cinzas de um carnaval’

Há seis anos, o Grupo Z e Repertório Artes Cênicas resolveram se juntar numa empreitada: criar uma espaço compartilhado para criação, formação e apresentação teatral, que se materializou numa casa no Centro de Vitória batizada com o irônico nome de Má Companhia. Anos depois, prestes a fechar as portas por falta de recursos, resolveram aprofundar ainda mais esse casamento. Nesta sexta-feira,19h,  estreiam no local a peça Cinzas de um carnaval, a primeira obra feita em conjunto pelas duas companhias e que contribui para a manutenção desta importante casa para o teatro capixaba.

O bairro onde se localiza o espaço teatral também é o local da narrativa construída na peça, que apresenta como alegoria um desfile de carnaval da fictícia escola Unidos do Centro da Cidade. A dramaturgia assinada por Fernando Marques (Grupo Z) e Nieve Matos (Repertório), que também dirigem a obra, conta como num samba enredo a história do Centro desde a invasão portuguesa até a ditadura militar, mostrando ainda a preparação do carnaval com sua equipe artísticas, passistas, compositores, patrocinadores, tudo que envolve o mundo das artes e espetáculos.

Ensaio aberto da praça. Foto: Brunela Negreiros

No fundo, uma analogia ao próprio processo de realização de uma apresentação teatral, e um tom auto-reflexivo sobre a trajetória, logros e dificuldades dos próprios grupos que encenam a obra. “É uma forma de falar sobre essas coisas todas sem entrar numa prática ensimesmada de ficar falando só do próprio umbigo”, diz Fernando Marques.

Nieve Matos deixa claro que é um exercício de autocrítica consciente da “pequenez” do problema da cultura, não por menos importante, mas pelo fato de que em tempos de crise, embora o fazer artístico seja amplamente prejudicado, há outros problemas gravíssimos como ao aumento da miséria, da população em situação de rua, da violência, da precarização da saúde pública. “A gente sabe que há problemas muito maiores que os nossos, mas respondemos fazendo a única coisa que sabemos fazer: teatro!”.

Com uma equipe de 15 pessoas, sendo sete atores em cena, que se revezam entre personagens fixos e outros cambiantes, os grupos buscaram encontrar em cena uma linguagem comum para os estilos diferentes que cada companhia carrega em sua trajetória.

O Grupo Z se destaca com uma estética muito limpa, minimalista, utilizando jogos de luzes para o cenário, enquanto a Repertório utiliza cenário e figurinos mais coloridos, com alegorias e mais elementos cênicos. O Z opta por uma interpretação mais naturalista, enquanto a Repertório atua com uma tom mais grotesco. “Estamos mesclando essas linguagens tanto em dramaturgia como em direção de arte para chegar num produto diferente do que normalmente cada grupo produziria, de forma que o espetáculo tenha a assinatura artística do dois grupos”, conta Nieve Matos.

Foto: Brunela Negreiros

Como é de característica de ambas companhias, os temas políticos não ficam fora de cena, pelo contrário, entram no cerne da peça. Desde a formação do Centro Histórico da capital às relações sociais e comunitárias e suas contradições, até o momento atual do Brasil. Cinzas de carnaval lembram muito o momento de ressaca política do país. A euforia de um crescimento e esplendor virou o fundo do poço, o mal-estar aliado à sensação de impotência.

“Como disse Caetano Veloso, não vamos ficar rimando amor com dor. Nesse momento de crise não dá mais. Nosso samba precisa valer alguma coisa, algo latente, provocador, que abra questões. Nossa intenção é esse olhar autocrítico sobre o que realmente estamos fazendo. Tentar sair da inércia coletiva que estamos lidando quando encontramos tanta coisa absurda no cenário atual”.

A peça Cinzas de um carnaval estará em cartaz ao sábados e domingos durante o mês de agosto na Má Companhia. A estreia, nesta sexta-feira, e o primeiro final de semana terão entrada gratuita. Nas semanas seguintes a obra segue em apresentação a preços populares.

Sobre a Casa da Má Companhia, trata-se de um casarão antigo e histórico que abriga as duas companhias e também se abre para outros grupos e coletivos. Ali, os grupos residentes possuem seus escritórios, acervos de figurino e cenário, espaço de ensaios, oficinas e apresentação. O calendário de eventos conta com a mostra de teatro OFF, além de abrigar iniciativas como encontros do coletivo Elas Tramam e o laboratório de dança de Ivna Messina.

AGENDA CULTURAL

Temporada de estreia de “Cinzas de um Carnaval”

Quando: 2, 3 e 4 de agosto (sexta, sábado e domingo) – 2 de agosto às 19h; 3 e 4 de agosto às 17h. As três apresentações têm entrada gratuita.

Onde: Má Companhia – Rua Professor Baltazar, 152, Centro, Vitória (próx. à Catedral)

Classificação: 12 anos

Outras apresentações da temporada:

10*; 17 e 18; 24 e 25; 31 de agosto e 1 de setembro. Valores do ingresso: R$ 20 (inteira); R$ 10 (meia)

*No dia 11 (domingo), não haverá apresentação.

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