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Banco do Nordeste quadruplica financiamento para Agroecologia em 2019

A soberania e segurança alimentar brasileira e capixaba são cuidadas pelas mãos do agricultores familiares, que produzem 70% de todo o alimento que chega à mesa da população.

Principal responsável também pelo crescimento da Agroecologia – e a consequente produção de alimentos mais saudáveis, que reduz a contaminação dos trabalhadores, consumidores e meio ambiente – a Agricultura familiar deveria ser o setor a receber mais apoio governamental e atenção das instituições bancárias. A fatia que lhe cabe no orçamento público da Agricultura, porém, é de apenas 20%.

E a Agroecologia, sua vertente mais moderna e sustentável, ainda engatinha no caminho para o reconhecimento oficial do espaço que lhe cabe, com as recentes leis nacional e estaduais a sistematizarem as necessidades e diretrizes fundamentais. As linhas de crédito específicas, então, estão ainda bem distantes do dia a dia dos agricultores agroecológicos.

“Pronaf Agroecologia é igual cabeça de bacalhau, a gente sabe que existe, mas nunca vê”, reproduz Sonia Lúcia de Oliveira Santos, agente de desenvolvimento do Banco do Nordeste no Espírito Santo, ao citar uma piada contundente que ouviu, nos seus primeiros anos por aqui, após ser transferida da agência de Teixeira de Freitas, no sul da Bahia.

A fala foi do então coordenador da ONG APTA, Demetrius de Oliveira, uma das mais atuantes no apoio à Agroecologia no Estado. Como resposta, Sonia desafiou: “Então apresente teu projeto ao banco”, convidou.

E foi assim, entre brincadeiras, propostas sérias e muito boa vontade pra trabalhar em conjunto, que se deu a construção do que hoje é o Plano de Ação Territorial (PAT) para os 28 municípios capixabas integrantes da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), e que tem a Agroecologia como seu foco de atuação.

Confiança

A Agroecologia foi a forma com que o Banco decidiu realizar o Programa de Desenvolvimento Territorial (Prodeter), que acontece em nível nacional em todo o Nordeste brasileiro.

Os primeiros financiamentos aconteceram em 2016 e totalizaram R$ 100 mil, para cinco projetos. Um ligeiro crescimento se registrou nos dois anos seguintes, com R$ 111 mil e R$ 120,4 mil, respectivamente.

Em 2019, um salto: R$ 463 mil, somente nesses primeiros sete meses, com perspectiva de fechamento de novos negócios até dezembro. O montante, até o momento, é quase quatro vezes maior que o de 2018 e 40% maior que a soma dos três anos anteriores.

O segredo do sucesso? “Na minha opinião deve-se ao relacionamento de confiança que conseguimos construir”, afirma Sonia, louvada como “grande guerreira” e “amiga dos agricultores familiares”, seja dentro da Comissão Estadual de Produção Orgânica (CPOrg), onde o BNE tem cadeira, seja nas comunidades rurais do norte e noroeste do Estado.

Os bons resultados obtidos transformaram o PAT capixaba agroecológico numa “vitrine do banco”, conta Sonia. Bem aceito internamente pela direção geral, em Fortaleza, copiado por agentes de desenvolvimento da Bahia, Pernambuco e Paraíba, a iniciativa tem feito escola, inspirado soluções e realizado sonhos.

Sonhos como o do MPA, que aprovou, no final de 2018, um projeto de R$ 300 mil para custear ações de Agroecologia em dez municípios da região. A expectativa é de implementa-lo ainda este ano, o que vai melhorar ainda mais o índice de crescimento do programa no Estado.

Nas unidades demonstrativas, serão construídas diversas técnicas agroecológicas, como recuperação de nascentes, produção de biofertilizantes, construção de fossas biodigestoras, cisternas de captação de água de chuva e banco de sementes crioulas, além de energia solar, diversos cursos e seminários, envolvendo diretamente pelo menos 85 famílias.

“São poucas iniciativas assim no Brasil. As pessoas de fora que tomam conhecimento ficam admiradas”, declarou Dorizete Cosme, da coordenação estadual do MPA, à época da aprovação do projeto.

Foi em 2018 também que o Plano de Ação Territorial do Norte do Espírito Santo conquistou um prêmio internacional, da Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento (ALIDE). “Para o Banco tem sido um aprendizado. Aprendemos muito com o agricultor”, testemunha Sonia.

Além dos agricultores, compartilham a governança outras entidades públicas, como o Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), Institutos Federais do Espírito Santo (Ifes), prefeituras, sindicatos de trabalhadores rurais, organizações não governamentais, como a Associação Veneciana de Agroecologia – Universo Orgânico, e movimentos sociais, como o MPA.

Acompanhamento e orientação

Sonia explica ainda que o crédito é fundamental para o desenvolvimento da agroecologia e da agricultura familiar, mas ele sozinho não resolve, “é só uma variável pro desenvolvimento”, diz. Associado ao empréstimo, é preciso acompanhamento e orientação, capacitação, políticas públicas para comercialização. E aí está a grande diferença da atuação do Banco do Nordeste, que tem oferecido todas essas variáveis, por meios próprios e de parceiros, num ambiente de cooperação e gestão compartilhada.

“Os projetos não são avaliados por técnicos”, explica, mas sim “por uma equipe multidisciplinar”, derivada da comissão territorial que coordena o PAT. “É um crédito orientado e acompanhado e voltado pra Agroecologia”, enfatiza.

Sem isso, afirma, estaria se repetindo a mesma atuação limitada dos outros bancos que utilizam o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), ou seja, rejeitando os projetos agroecológicos apresentados pelo público que mais precisa. Projetos de dez mil reais para uma composteira ou um minhocário, por exemplo, são projetos essenciais, “que precisam de apoio, crédito e orientação técnica”, enfatiza a agente.

No Prodeter, a concessão do crédito ao agricultor é o sétimo dos nove passos a serem seguidos para a implementação do programa, sendo que o último é o fortalecimento de governanças locais e regionais.

Receita futura

O crédito é concedido através do Pronaf, principalmente por meio das linhas Agroecologia e Florestal, cujos limites, por projeto, são de R$ 165 mil e R$ 60 mil, respectivamente. A taxa de juros subiu, em 2019, dos tradicionais 2,5% para 3%.

Nesses quase quatro anos de atuação, a maioria dos projetos aprovados é voltada para áreas entre 1,5 e dois hectares e os prazos para pagamento giram em torno de dez a quinze anos, com prestações anuais que podem ser fixas ou não, dependendo da capacidade de pagamento do agricultor. Capacidade essa que é definida a partir de uma visão de receita futura. “Existem bancos que trabalham com visão de receita passada. Nós vemos o que aquele projeto vai render para aquele cliente”, diz Sonia.

Sistemas Agroflorestais (SAFs), energia solar, fossas sépticas, composteiras, minhocários, barragens, máquinas, equipamentos, veículos … a diversidade é grande.

Resistência

Diante de um exemplo tão bem-sucedido de cooperação e construção conjunta, a pergunta que fica é: como multiplicá-lo? No universo do Banco do Nordeste, os 28 municípios beneficiados têm um vasto terreno pra explorar. Sendo administrador do Fundo do Nordeste (FNE), instituído pela Constituição Federal e alimentado por percentuais de impostos federais, é um fundo que “não tem limite”, poetiza Sonia, ao responder sobre a capacidade máxima de financiamento.

E nos demais municípios capixabas? Como garantir financiamento, também orientado e acompanhado, e que atenda de fato às necessidades dos agricultores familiares agroecológicos? A resposta vem dos próprios agricultores. Afinal, foi a resistência e persistência dos camponeses do norte e noroeste capixaba que mantiveram de pé o conceito dos Territórios da Cidadania, extinto no bojo do impeachment de 2016, que retirou a então presidente Dilma Rousseff da presidência da República.

“Nós aqui demos sequência ao Território da Cidadania, independentemente de recursos governamentais. As organizações continuaram se reunindo, construíram o plano e buscaram os recursos pra implementá-lo”, relata Dorizete, ao explicar a aprovação do projeto de unidades demonstrativas no Banco do Nordeste.

Resistir, sonhar, cooperar. É a única receita que tem funcionado para fazer a Agroecologia avançar. Que assim sigamos.

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