O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, nessa quinta-feira (8), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3446, em que o Partido Social Liberal (PSL), legenda do presidente Jair Bolsonaro, pedia alteração em regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA-Lei 8.069/1990). Um delas é a que veda o recolhimento de crianças e adolescentes em situação de rua pelo Estado, além da adoção de medidas socioeducativas para a infância. O colegiado seguiu, por unanimidade, o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.
Juristas da área da Infância e Juventude, além de militantes da área de direitos humanos do Espírito Santo, concordam com a decisão do STF e consideram que há tentativa de criminalização da infância pobre por parte dos integrantes do PSL.
Na ADI, o partido sustentava que “crianças que praticam sucessivos atos infracionais graves, em consequência, são apenas encaminhadas aos Conselhos Tutelares, “não havendo, portanto, resposta adequada às infrações, por parte do Estado”.
Ao apresentar seu voto, o ministro Gilmar Mendes, com relação ao artigo 230 do ECA – que prevê pena de 6 meses a 2 anos de prisão para quem privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente –, também não verificou qualquer inconstitucionalidade. Para Mendes, a invalidação desse tipo penal representaria “verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias, restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas”, situação que, segundo enfatizou o ministro, não pode ser admitida. A existência da norma, lembrou, não impede a apreensão em flagrante de menores pela prática de atos análogos a crimes.
Na ação, o PSL questionou ainda a inexistência da aplicação de medidas socioeducativas para crianças que cometem ato infracional. Além disso, para a legenda, a exclusão da avaliação judicial dos atos infracionais praticados por crianças seria inconstitucional. Contudo, para o ministro Gilmar Mendes, a decisão do legislador, de não aplicar medidas mais severas, é compatível com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa, “acima de tudo, ser protegida e educada”. Para o relator, a distinção é compatível com a condição das crianças de maior vulnerabilidade e de pessoa em desenvolvimento, quando comparadas aos adolescentes e às pessoas adultas.
Repercussão no Estado
O julgamento teve repercussão no Estado, resguardando também o direitos das crianças capixabas. Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CCDH-Serra), afirma que o PSL, o governo Federal e seus aliados, de forma rasteira, invertem o debate sobre os direitos humanos dessa população, se negando a propor as medidas para a garantia de direitos. “Ao contrário, preferem criminalizá-las, tornando-as vulneráveis e fazendo a população acreditar que são elas as culpadas pelos problemas dos país. Ao contrário os dados mostram que elas são vítimas do descumprimento das leis e da ausência total da proteção do Estado”, disse.
Para Gilmar, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) é um conjunto de normas legais que garante a proteção integral e com absoluta prioridade para a criança e para o adolescente. “O ECA é considerado a legislação mais completa e avançada do mundo pelos organismos internacionais de Direitos Humanos. Também fruto incansável da militância em direitos humanos de milhares de pessoas de todas as idades que têm compromisso com a infância e a juventude brasileira. A tentativa do PSL de alterar o ECA é do processo em curso no país que visa rebaixar e diminuir o arcabouço jurídico que garante direitos humanos, nesse caso, ampliando a política de higienização e limpeza social por meio da segregação de pessoas”, finalizou.
Para o defensor público e coordenador da Infância e da Juventude Hugo Fernandes Matias, a decisão do Supremo é de extrema importância por provar que o Estatuto da Criança e do Adolescente está totalmente alinhado à Constituição Federal. Segundo ele, é fundamental, sobretudo, entender que as crianças estão em fase de desenvolvimento e necessitam, ao contrário de punição, de proteção por parte do Estado, além de políticas públicas.