As perdas geradas com a reforma da Previdência, que começa a ser analisada nesta quarta-feira (14) no Senado Federal, retiram direitos da classe média e dos trabalhadores mais pobres, e atingem duramente as aposentadorias por invalidez, idade, pensão por morte e de áreas especiais ou de risco.
Ao comentar o texto da reforma, já aprovado na Câmara dos Deputados, o advogado do Estado, Marcelo Carvalhinho Vieira, afirma que o direito previdenciário também passará por alterações, a fim de se contextualizar com as novas regras.
“O cálculo do benefício de aposentadoria por idade pós-reforma será mais prejudicial, pois partirá de 60% da média salarial, acrescendo 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos, reduzindo em 10% a média salarial atual, que é de 70%”, explica.
Segundo o especialista, um dos principais pontos de perdas é o seguinte: a regra atual exige para a aposentadoria por idade, ter 65 anos para os homens e 60 para as mulheres e também o mínimo de 15 de contribuição para ambos os sexos, mas o valor do benefício é de 70% da média salarial mais 1% a cada ano de contribuição. Isso significa que sempre inicia em 85% da média dos 80% maiores salários desde julho de 1994. Se aprovada a PEC 06/2019, na aposentadoria por idade, a exigência continuará sendo de 65 para homem e 60 para mulher, sendo que para as mulheres essa idade mínima aumentará para 62 anos através de acréscimo de seis meses na idade a cada ano a partir de janeiro/2020.
Já a aposentadoria por tempo de contribuição, com a reforma aprovada, passará a ser exigida mais idade e mais tempo de contribuição para se alcançar os mesmos valores pelas regras atualmente exigidas. O principal ponto é que foi incluída a idade mínima. Pela regra atual não exige idade mínima, podendo ser concedido o benefício aos segurados que preencham 30 ou 35 anos de contribuição (mulher/homem). Nessa modalidade o valor do benefício é calculado pela aposição de um fator redutor (o fator previdenciário) sobre a média dos 80% maiores salários de contribuição.
Também pela regra atual, o sistema de pontuação, que exige os mesmos 30/35 anos de contribuição (mulher/homem) e que a somatória com a idade alcance 86/96 pontos (anos), garantirá o valor do benefício integral, sem fator previdenciário e pela média dos 80% maiores salários de contribuição.
O trabalhador de áreas especiais (prejudiciais à saúde ou de risco de morte) que não alcance os 25 anos (maioria dos casos) para a concessão da aposentadoria especial tem o direito de converter o tempo trabalhado por 1,2 ou 1,4 (mulher/homem).
O advogado dá um exemplo: se o segurado homem trabalhou 20 anos em condições especiais e 10 anos em condições normais, tem 30 anos de contribuição, mas com o direito à conversão do tempo especial, ele terá um acréscimo de 40% (1,4) sobre os 20 anos especiais, o que garante uma majoração do tempo total em oito anos, alcançando nesse exemplo o total de 38 anos de contribuição, possibilitando a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição com fator previdenciário e sem o fator também caso alcance 86/96 pontos (mulher/homem).
A análise prossegue: para quem já estiver prestes a se aposentar (28 de contribuição mulher e 33 de contribuição homem), será possível fazer uso da regra sem a idade mínima, com o acréscimo de um pedágio de 50% do tempo faltante quando promulgada a emenda. Exemplo, a segurada mulher que alcançar 28 de contribuição na data da promulgação deverá trabalhar mais três anos (dois anos faltantes + um ano de pedágio de 50%) para se aposentar sem necessitar preencher nenhum requisito etário. Se for homem, alcançando 33 de contribuição, deverá trabalhar mais três anos.
A forma de cálculo nesse caso do pedágio não será mais de 80% dos maiores salários, mas sim de 100% dos maiores salários (quanto maior o divisor, menor o resultado, obviamente). Ou seja, se na regra atual retiram-se os menores 20% salários do cálculo, na forma prevista na PEC 06/2019 esses menores 20% salários entram no cálculo, reduzindo a média.
E para quem não tiver 28/33 de contribuição, aplica-se a regra nova que é a seguinte:
A) Contribuição de 35 h/ 30m e idade de 61 homem e 56 mulher (idade acrescida de seis meses a cada ano a partir de janeiro/2020 até atingir 65 e 62 anos), sendo o cálculo do valor de 60% mais 2% a cada ano que exceder 20 anos.
B) Contribuição de 35 homem e 30 mulher e somatório de 96/86, sendo o cálculo do valor de 60% mais 2% a cada ano que exceder 20 anos, sendo que essa pontuação será acrescida a partir de janeiro de 2020.
C) Contribuição de 35 homem/30 mulher e idade de 60 homem e 57 mulher (idade acrescida de seis meses a cada ano a partir de janeiro/2020 até atingir 65 e 62 anos), mais o tempo adicional que faltaria para completar 30 ou 35 anos de tempo de contribuição, cálculo de 100% da média aritmética simples.
Assim, não bastará mais preencher somente o requisito de contribuição de 35 anos homem e 30 mulher. Apenas será permitida a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição se forem preenchidos mais de um requisito como a somatória de idade e contribuição acima de 86/96 (87/97 já a partir de janeiro/2020) e a idade mínima além do tempo mínimo de contribuição de 30/35 anos (mulher/homem).
Na aposentadoria por idade, o cálculo sempre será pela média aritmética simples, incluindo os 20% menores salários, o que puxa a média total para baixo, demonstrando ser também mais prejudicial se comparado com a forma de cálculo atual.
O segurado só alcançará 100% da média salarial se contribuir por 40 anos. Mas esses 100% serão calculados pela média de todo o período contributivo.
O tempo especial trabalhado após a reforma não poderá mais ser convertido (majorado) para se somar ao tempo comum e possibilitar a concessão da aposentadoria. Apenas o tempo especial trabalhado até a data da Emenda poderá ser convertido para esse fim, o que, segundo Marcelo Carvalhinho Vieira, representa grave prejuízo aos trabalhadores de área especial que não preencherem os requisitos para a concessão da aposentadoria especial.
Outro grave retrocesso nos direitos dos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se refere à forma de cálculo da aposentadoria por invalidez. Hoje quem se aposenta por invalidez (comum ou acidentária) recebe 100% da média dos 80% maiores salários de contribuição.
Após a reforma, receberá os 100% apenas quem se aposentar por acidente de trabalho ou doença profissional. Se a pessoa tiver um câncer, por exemplo, ou outra doença incapacitante ou acidente comum que não seja relacionado ao trabalho, receberá um valor de 60% se tiver menos de 20 anos de contribuição. Esse percentual só será majorado em 2% a cada ano que exceder os 20 anos. “É evidente a perda de direitos também no que se refere a esse benefício”, apontou o advogado.
Outro benefício que também gerou grande debate foi a pensão por morte. Hoje o pensionista recebe 100% do valor recebido pelo aposentado que vier a falecer ou do que receberia em caso de aposentadoria por invalidez caso ainda não estivesse aposentado quando do óbito, independente do tempo de contribuição do falecido. Após a reforma o pensionista receberá 50% de cota familiar mais 10% por dependente até 100%. Então, uma viúva sem filhos receberá 60%; um filho, 70%. E assim por diante até 100%. Apenas será de 100% se tiver um filho/dependente inválido.
Além disso, o valor da pensão poderá ser menor que o salário mínimo se o pensionista tiver outra fonte formal de renda. Então, se a esposa trabalha, receberá apenas 60% do valor devido, podendo ser menor que o salário mínimo.
Com a reforma, a garantia de recebimento do piso do salário mínimo para as pensionistas será retirada da Constituição, representando grande diferença em comparação com a regra atual que garante que não será recebido benefício com valor menor que o salário mínimo.
Um grupo de segurados que sofreu grandes prejuízos foi o dos trabalhadores de áreas insalubres e perigosas que têm direito à aposentadoria especial. Atualmente, para fazer jus à aposentadoria especial, a lei exige 25 anos de tempo especial, independentemente de idade e o valor do beneficio corresponde a 100% da media salarial do segurado, calculada sobre os 80% maiores salários desde julho de 1994. Com a reforma da previdência, haverá a exigência dos mesmos 25 anos em condições especiais e também requisitos de pontuação e idade mínima.
Para quem entrar no mercado de trabalho após a reforma, terá que preencher a idade mínima de 25 anos em condições especiais e a idade mínima de 60 anos. “Imagine um trabalhador que fique exposto à altas temperaturas, vibração, ruído, risco biológicos, etc, sendo obrigado a laborar até os 60 anos de idade nessas condições. Isso só faz aumentar o risco de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, gerando mais custo (seja SUS ou planos de saúde) no tratamento de saúde desses trabalhadores”, exemplificou o especialista.
O valor do benefício será de feito pela média de todas as contribuições (incluindo as menores 20% que antes não entravam no cálculo) e será de 60% mais 2% a cada ano que exceder 20 anos. Ou seja, se pela regra atual o segurado consegue se aposentar com 100% após 25 anos especiais, com a regra prevista na reforma, o segurado que entrar no mercado de trabalho após a promulgação terá que trabalhar 40 anos para conseguir 100%.
Para quem já está filiado ao INSS antes da reforma haverá o mínimo de 25 anos de tempo especial, e somatório de idade, tempo de contribuição e tempo especial deverão ultrapassar 86 anos/pontos (será acrescido de 1 ponto a cada ano a partir de 2020 até alcançar 91 pontos). O valor do benefício será de 60% mais 2% a cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição.
“Se um segurado tiver 46 anos de idade hoje e 24 anos de tempo especial, hoje ele tem 70 pontos. Como o mínimo hoje são 86 pontos, faltam 16 pontos para conseguir se aposentar pela nova regra. Ocorre que essa pontuação 86 será aumentada em um ponto a cada ano até alcançar 96 pontos. Em suma esse segurado que se aposentaria pela regra atual apenas daqui a um ano, só poderá se aposentar pela Especial em 2032, ou seja, daqui a 13 anos quando somará 26 pontos (idade e contribuição) para chegar aos 96 pontos”.
Ao contrário da aposentadoria por tempo de contribuição, que recebeu a “esmola” do pedágio, a aposentadoria especial não prevê regra de transição com pedágio, sendo extremamente injusta aos segurados que estão prestes a se aposentar.
Além disso, atividades periculosas como eletricitários e vigilantes armados não terão mais direito a contagem do tempo especial e nem direito a aposentadoria especial, o que representa tratamento não isonômico com relação aos trabalhadores de áreas insalubres, ferindo o princípio constitucional da isonomia.
“Afinal, por que a exposição a risco de morte por choques ou de levar um tiro em assaltos a bancos e carros fortes é menor que o risco à saúde de quem trabalha em área insalubre (riscos físicos, químicos e biológicos? Pela regra que virá, a média que servirá de base para o cálculo do benefício será feita não mais sobre os 80% maiores salários de contribuição, mas sim sobre a média aritmética simples, considerando também os menos 20% salários do período contributivo, assim como os demais benefícios citados”, concluiu.