“Esperamos que o prefeito [Daniel da Açaí, PSDB] declare calamidade pública na nossa região”. A súplica é do presidente da Associação de Moradores, Pescadores e Assemelhados de Barra Seca (AMPAC), Flavio Messias Soares. O motivo é que a comunidade costeira, famosa por sua praia de naturismo – uma das poucas oficiais do País – sofre grave contaminação de suas águas.
São cerca de 300 residências, todas abastecidas por poços artesianos individuais, perfurados nos próprios quintais. Ao lado dos poços, no entanto, ficam as fossas sépticas. A dobradinha caseira, que até pouco tempo pareceu compensar a ausência completa de saneamento básico, agora mostra sinais evidentes de colapso.
Há quatro meses, as fossas estão transbordando, impedindo que os moradores utilizem seus próprios sanitários. ““As famílias estão indo para o mato fazer suas necessidades, as crianças andam em cima desses dejetos”, descreve Flavio.
O último esgotamento de fossas foi feito em dezembro de 2018, já sob responsabilidade da Prefeitura de São Mateus – a mudança do município de Linhares para São Mateus foi determinada em dezembro de 2016, pela Lei nº 10.006, mas a comunidade só foi saber da transferência dois anos depois – e deveria ter sido continuada a periodicidade trimestral do serviço, como era feito por Linhares.
Em abril, a comunidade protocolou no Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) a listagem das residências a serem atendidas. Dois esgotamentos já deveriam ter sido feitos esse ano, em maio e agosto.
Minério e boro
Além do esgoto, a comunidade reconhece outros dois contaminantes graves: os rejeitos de minério da Samarco/Vale-BHP e o boro, este, a princípio, proveniente da exploração de petróleo nas redondezas.
Os dados foram apresentados nessa segunda-feira (12) pela Fundação Renova. Atendendo a pedidos da comunidade, a entidade – criada para executar os programas de compensação e reparação dos danos advindos do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP – comunicou os resultados das análises de água feitas nas regiões atingidas pelo crime.
Impressionou a quantidade de contaminantes trazidos pela lama de rejeitos, encontrados no rio Ipiranga, já próximo à sua foz, em Barra Seca/Urussuquara, em quantidade maior que no Rio Doce. “O Rio Doce tem fluxo direto de água”, explica Flávio. Já o Ipiranga não tem vazão constante para o mar, elevando então a concentração da lama de rejeitos.
Abandono
Nas amostras coletadas pela Renova, o esgoto não aprece como grande contaminante, destacando-se mais as presenças de rejeitos de minério e de boro. “Nosso rio é pequeno e está com quantidade maior de contaminação do que Rio Doce. Só que as pessoas continuam tomando banho, pescando, movimentando”, alerta o presidente da AMPAC.
Diante dos dados, a Associação solicitou uma reunião com a Petrobras para entender a dinâmica da poluição gerada pela atividade petrolífera e cobrar medidas de descontaminação. “São preocupantes e alarmantes, nos sentimos mais uma vez abandonados pelos órgãos públicos”, clama.
A entidade também pede que os procuradores da República, os órgãos ambientais estaduais e municipais e o Comitê Interfederativo (CIF) intercedam pela água da comunidade. “O rio Ipiranga era um berçário da nossa região, que alimentava o nosso mar. Era, não é mais”, lamenta Flávio.
Prefeito
Mesmo sem alarde nos dados da Renova, o esgoto é motivo de preocupação para a comunidade, que está arrecadando recursos em um rateio entre os moradores para coletar e analisar a água dos poços artesianos. “Calamidade pública é a palavra para descrever a nossa situação. Estamos agora sofrendo o maior impacto de todos os tempos”, diz.
Em áudio compartilhado nas redes sociais, o presidente da AMPAC se dirige ao prefeito, Daniel da Açaí (PSDB), para que retome o esgotamento das fossas. “Barra Seca padece, está morrendo na sua frente e nenhuma ação ainda foi feita pelo senhor e sua equipe”, rogou.
Fragilidade no território
A combinação de lençol freático pouco profundo e ausência de esgotamento sanitário adequado é uma triste realidade na região litorânea de São Mateus e Linhares, onde as famílias mantêm, no mesmo quintal, a fossa séptica e o poço artesiano.
O crime da Samarco/Vale-BHP e a continuidade da exploração de petróleo na região agravaram a situação, com a adição de diversos elementos tóxicos à água, já poluída por esgoto doméstico.
Recentemente, a comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, conseguiu na Justiça que a Fundação Renova mantenha o fornecimento de água potável por carros-pipa, depois de comprovada a contaminação dos poços artesianos por arsênio.