A descriminalização e a legalização do aborto são o tema de uma roda de conversa que acontece nesta sexta-feira (23), na sede do Sindicato dos Bancários, a partir das 18h, promovida pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), a Articulação de Mulheres Brasileiras e o Grupo de Estudos sobre Aborto da Universidade Federal do Espírito Santo (GEA/Ufes).
O convite é direcionado aos movimentos sociais, sindicatos, partidos e demais pessoas interessadas no assunto. “Queremos que as pessoas que engravidam tenham direito a exercer sua autonomia reprodutiva sem serem presas ou mortas”, argumentam as organizadoras.
O debate se propõe a acontecer a partir de três perspectivas: a criminalização da prática abortiva vitima principalmente mulheres negras e pobres, sendo mais um aspecto de perpetuação das desigualdades sociais; a criminalização não reduz o número de abortos realizados (pelo contrário, há evidências de quedas de taxas de aborto onde é legalizado); a criminalização compromete o direito à saúde mesmo nos casos em que o aborto já é legalizado.
Os argumentos constam na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442/2017, proposta por advogadas do Anis – Instituto de Bioética e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que questiona os artigos do código penal brasileiro que criminalizam a prática do aborto, código esse que foi editado em 1940, quando ainda não havia sido reconhecida nem a igualdade formal entre homens e mulheres.
Non âmbito da Ação, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública entre os dias 3 e 6 de agosto de 2018, reivindicando a descriminalização até a 12ª semana de gestação. Naqueles dias, recordam as pesquisadoras e militantes do GEA/Ufes, foi realizado um Festival pela Vida das Mulheres em Brasília, reunindo mulheres de todo o país.
Desde então, no entanto, passado um ano, a Ação continua parada no STF. Por outro lado, no mesmo período, o Congresso Nacional recebeu ou desarquivou ao menos 45 projetos de lei que tentam restringir direta ou indiretamente o aborto.
Desigualdade social e étnica
Citando Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2010 e 2016, o GEA ressalta que os índices de abortos sobem quando se trata de mulheres negras, indígenas e empobrecidas, fato que está intimamente ligado com a produção de criminalidade e a seletividade penal que recai sob esses corpos, fazendo com que haja uma diferenciação nas consequências que essas mulheres enfrentam neste contexto.
“Insistimos: a prática abortiva não é segura enquanto estiver sujeita à produção de criminalidade. O aborto em si não é letal, é uma prática. O que mata é a condição de criminalização que recai seletivamente sobre alguns corpos”, argumentam as pesquisadoras.
Isso porque as hipóteses de aborto legal hoje no Brasil não dizem respeito à maioria dos procedimentos abortivos realizados. Além disso, o atendimento nesses casos permitidos por lei é, via de regra, precário, pois existem poucos lugares aptos e os que existem, dificultam o procedimento com muitas alegações de objeção de consciência, sem falar na violência obstétrica cometida pelos profissionais.
“Enquanto não falarmos em métodos seguros de abortamento, enquanto as políticas públicas seguirem falhando em matéria de Educação Sexual Integral e Contraceptivos para não Abortar, enquanto não falarmos em racismo institucional e enquanto o aborto seja crime, este continuará sendo inseguro e letal para alguns corpos em detrimento de outros”, afirmam.
Saúde pública
Por isso, enfatizam as militantes, é preciso tratar o aborto como uma questão de saúde pública. “Os caminhos possíveis para a descriminalização podem ser pela via legislativa ou judicial, mas devemos estar atentas para não cair na armadilha de afirmar que a descriminalização e legalidade das práticas abortivas, resolveria o problema”, explicitam.
Enquanto no Brasil a mobilização mais avançada se dá pela ADPF 442/2017, na Argentina a opção foi a via legislativa, por meio do Proyecto de Ley de Interrupción Voluntaria del Embarazo (IVE), elaborado em 2006 pela Campaña Nacional por el Derecho al Aborto Legal, Seguro y Gratuito. O projeto foi apresentado pela primeira vez no congresso nacional no ano 2007, sem aprovação, sendo reapresentado mais oito vezes seguidas, sempre seguido de ampla mobilização social, que faz crescer continuamente a “onda verde”.
Mais que a legalização, defende o GEA, é preciso que haja a descriminalização social das práticas abortivas e o combate às injustiças sociais que se interseccionam em condições específicas. “Que as práticas abortivas sejam legitimadas perante a sociedade no seu conjunto!”, reivindicam.
“Precisamos conversar sobre aborto e sobre justiça reprodutiva, sem moralismos, achismos nem fundamentalismos religiosos, para avançar na constituição de políticas públicas que permitam a expansão da vida, porque falar em aborto, também é falar de vida”.