Com quase quatro anos de atraso, os pescadores de camarão da Praia do Suá, em Vitória, conseguiram um acordo extrajudicial com a Fundação Renova, para a entrega de documentação que garanta o seu cadastro nos programas de auxílio emergencial e de indenizações, em decorrência do crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP em novembro de 2015.
Por meio da atuação da Defensoria Pública Estadual (DPES), Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF/ES), a Renova aceitou a entrega de uma declaração de autorreconhecimento coletivo como comprovação da condição de atingido. A medida beneficia proprietários e mestres de barcos, pescadores e outros membros da tripulação e da cadeia direta da pesca do camarão.
Desde a chegada da lama de rejeitos no litoral capixaba, os camaroeiros da Praia do Suá calculam que perderam mais de 70% de sua renda, devido à contaminação por metais pesados e outros poluentes, que levaram a Justiça Estadual a proibir a pesca em profundidade inferior a 20 metros, desde o litoral de Barra do Riacho, em Aracruz, até Degredo, município de Linhares.
Durante todo esse tempo, a Fundação – criada para executar os programas de compensação e reparação dos danos advindos do crime – vinha cobrando os mapas de bordo das tripulações dos barcos camaroeiros como documento para comprovação.
O mapa de bordo contém dados da embarcação e da tripulação, a localização da região onde será feita a pesca, com data de saída e chegada. A cada arrasto, são informados a latitude do local de arrasto, o peso e as espécies capturadas.
Após preenchidos, os mapas são entregues à Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca do Espirito Santo (SEAP/ES), ficando com os pescadores apenas os protocolos de entrega. Desde 2015, no entanto, logo após o rompimento da barragem de Fundão, esses mapas desapareceram do arquivo físico da SEAP/ES.
O sumiço é investigado por um conjunto de inquéritos instaurados pela Polícia Federal que apuram fraudes na documentação de milhares de falsos pescadores que tentaram ser indenizados indevidamente pelo crime.
No último fim de semana (24 e 25), o Sindicato dos Pescadores do Espírito Santo (Sindpesmes) recolheu centenas de assinaturas para a declaração de autorreconhecimento no porto da Praia do Suá e no Portocel, na Barra do Riacho, os dois que recebem barcos dos camaroeiros de Vitória, que pescam na Foz do Rio Doce. “Coletamos muitas assinaturas, mas muita gente estava no mar trabalhando”, relata o vice-presidente do Sindpesmes, Braz Clarindo Filho.
Na próxima quarta-feira (28), a declaração será apresentada pela DPES, DPU e MPF/ES à Renova, para, espera-se, iniciar o cadastramento dos atingidos.
Há quase um ano, em novembro de 2018, os três órgãos de Justiça, mais a Defensoria Pública da União (DPU) haviam expedido uma recomendação conjunta para a Fundação e para as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, exigindo os cadastramentos dos camaroeiros atingidos e os devidos pagamentos de auxílios e indenizações.
A recomendação foi feita sete meses depois do reconhecimento da categoria como atingida, resultado de um forte trabalho dos órgãos de Justiça, do Sindicato, da Colônia Z-5, da Praia do Suá, e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB/ES).
Foi uma decisão inédita, pois a Fundação Renova, responsável pelas ações de reparação após o crime, reconheceu o setor por seu local de trabalho, e não pelo lugar de moradia, como vinha sendo feito até então.
“Agora temos que pescar a 20 metros de profundidade, antes eram três metros. São três milhas de distância, não tem camarão”, explicou, na época, Álvaro Martins da Silva, o Alvinho, presidente da Colônia de Pesca Z-5, na Enseada do Suá, em Vitória. “Esses pescadores estão passando dificuldades!”, diz.
Nesses três anos, o que se vê são muitos barcos encostados. “Se dá uma ressaca de mar, lá nos vinte metros, dá algum camarão. Mas com calmaria não dá nada”, disse.