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Movimento negro quer Espírito Santo como exemplo no combate ao racismo

O ato aconteceu nesta quinta-feira (5) em frente à sede do Ministério Público Federal (MPF), no Centro de Vitória, quando representantes de diversos grupos do movimento negro e outros movimentos sociais se reuniram para protocolar uma notícia-crime ao órgão de justiça sobre o caso de racismo ocorrido em março deste ano, após entrevista do professor universitário e pró-reitor de Assuntos Estudantis e Cidadania da Ufes, Gustavo Forde, publicada na internet.

Mais do que uma ação burocrática, o grupo optou por uma ato político, com presença de mais de 20 entidades, que foram recebidas pelo procurador-chefe do MPF no Espírito Santo, Paulo Augusto Guaresqui. No caso da notícia-crime, explica a advogada criminal Elisângela Leite Melo, se trata de uma notificação de um grupo ao estado sobre o crime de racismo, que demanda ação penal pública, ao contrário do crime de injúria racial, que tramita como ação penal privada, que poderia ser feita pelo próprio atingido.

Foto: Zélia Siqueira

O professor Gustavo Forde espera que a denúncia coletiva possa ir adiante e servir como exemplo em nível nacional, estimulando também que outros grupos tomem iniciativa similar diante de casos de racismo pelo Brasil. “Esse ato político tem uma dimensão pedagógica. É necessário que a sociedade brasileira compreenda o que é o racismo e a gravidade do crime de racismo. Temos muitas dificuldade de tipificar o crime de racismo e nossa grande aposta é que o Espírito Santo possa dar essa contribuição, levando esse processo à frente e fazendo a denúncia, para que essas pessoas sejam levadas ao juiz”, explica. 

Para ele, uma condenação neste caso, que teve grande repercussão, poderia contribuir para reeducar a sociedade brasileira e mudar o paradigma, marcado pela certeza de impunidade, para uma certeza de que o Estado brasileiro está comprometido em combater o racismo. “Nesse sentido existe uma dimensão punitiva para as pessoas que produziram o ato racista, mas também uma dimensão pedagógica para um conjunto mais amplo que repercutiu esse crime, que curtiu e apoiou aqueles comentários e que reproduzem aqueles ataques em outros espaços, para que possam de uma vez por todas perceberem e mudarem sua postura”.

Um fato lembrado por Gustavo Forde é que em 2019 completa-se 30 anos da Lei Caó, que tipifica esses crimes. Porém, é raro que haja condenações por racismo, pois a maioria dos casos tramita como injúria racial, que se dá quando se realizam ataques pessoais que tenham elementos racistas. Mas no entendimento do professor e das entidades, os ataques a ele proferidos afetam toda uma coletividade. 

Os agressores nas redes sociais não se referiram ao conteúdo da entrevista concedida e nem mesmo mencionaram seu nome. “Qualquer pessoa negra naquele lugar, concedendo aquela entrevista naquele jornal sobre aquela temática, é muito provável que estivesse vulnerável a sofrer todos aqueles ataques”, ressalta Gustavo Forde. Atacou-se a figura de uma pessoa negra no posto de professor e doutor ocupando espaço de destaque na academia, o que seria incompatível para o imaginário de pessoas afetadas pela mentalidade racista construída no Brasil.

Foto: Zélia Siqueira

A resposta a esses ataques veio com uma série de notas de repúdio, cartas de apoio ao professor, abaixo-assinado, e reuniões que culminaram com a formulação e apresentação da notícia-crime que agora deve ser analisada pelo Ministério Público para coletar provas e evidência e formular uma denúncia caso considerar procedente. 

O caminho para que a denúncia de racismo contra o professor Gustavo Forde siga adiante ainda exige superar etapas burocráticas e o próprio racismo institucional, mas toda mobilização já é considerada um sucesso. “O principal desafio é combatermos e superarmos o racismo institucional e estrutural. A sociedade brasileira, e com ela as instituições brasileiras, foram formadas, constituídas, tendo como uma de suas matrizes a ideia de raça e o racismo. As instituições brasileiras têm dificuldade de reconhecer o racismo, de estranhá-lo, porque o racismo não é estranho na nossa sociedade, ele é inerente à formação societária brasileira. Então é difícil algumas instituições estranharem algo que faz parte delas. Assim o racismo institucional opera e mobiliza as próprias instituições da sociedade”, critica o professor.

O grupo do movimento negro promete acompanhar todo o processo e também repercutir para além da denúncia com a organização de um seminário nacional para discutir o racismo institucional no âmbito do direito, considerando os 30 anos da Lei Caó e os desafios para fazê-la valer de fato.

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