“Uma economia que esteja a serviço da vida, não que se sirva da vida. Uma economia que inclua a todos – e em primeiro lugar os pobres – não uma economia que gere cada vez mais exclusão e desigualdade”.
A pré-definição é do seminarista, economista, mestre em Filosofia e estudante de Teologia Vitor César Zille Noronha, ao comentar a proposta do Papa Francisco ao promover o encontro “A Economia de Francisco – Os jovens, um pacto, o futuro” ”, em março de 2020.
As inscrições estão abertas no site do evento, que pretende reunir jovens economistas, empreendedores e protagonistas de mudanças de diversas partes do mundo, com até 35 anos, na cidade italiana de Assis, onde nasceu São Francisco.
Serão três dias de laboratórios, eventos artísticos e plenárias com renomados economistas, especialistas em desenvolvimento sustentável, empreendedores e empreendedoras, que hoje estão comprometidos em nível mundial com uma economia diferente. A intenção é refletir e trabalhar em conjunto com os jovens nestes três dias.
Estão confirmadas as presenças dos ganhadores do Prêmio Nobel Muhammad Yunus e Amarthya Sen, além de Bruno Frey, Tony Meloto, Carlo Petrini (Movimento Slow Food), Kate Raworth, Jeffrey Sachs, a indiana Vandana Shiva, Stefano Zamagni, entre outros.
Entusiasta da iniciativa, Vitor Noronha acredita que o chamado “pacto com os jovens” proposto no evento conseguirá “estabelecer uma sinergia capaz de superar este sistema capitalista liberal em que vivemos que, nas palavras do Papa, é ‘estruturalmente perverso”.
E enfatiza a centralidade nos pobres na proposta do chefe da Igreja Católica. “Papa Francisco não se cansa em afirmar que a raiz de todos os males sociais está na desigualdade social, de criticar a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, bem como seus frutos que aparecem mais evidentemente nas reformas que retiram direitos trabalhistas e previdenciários dos pobres”.
O trabalho do primeiro papa sulamericano sempre teve esse norte, conta o seminarista. “Ele não faz isso distante, do Vaticano, do ‘centro do mundo’. Ele está lá, mas não fala de lá. Ele foi um padre de periferia, depois um Bispo que vivia mais nas periferias de Buenos Aires e na casa dos pobres, do que nos palácios e nos banquetes. Agora, é um Papa que se propõe a seguir os passos de São Francisco de Assis, tocar a carne de Cristo nos pobres e nas dores da criação, para assim poder acessar a força transformadora do Evangelho e ser um sinal eficaz de mudança para toda a humanidade”, diz.
Inspirado na Teologia da Libertação gerada por intelectuais como o brasileiro Leonardo Boff e seu livro Ecologia: Grito da Terra Grito dos Pobres, o Papa construiu uma trajetória tendo como seus dois maiores princípios os pobres e a criação, ou “a evangélica opção preferencial pelos pobres e a ecologia integral”, assevera Vitor.
“Esse é o esforço: nem as elites, nem o dinheiro, nem mesmo a Igreja, devem estar no centro. É preciso destronar qualquer idolatria e qualquer autorrefencialidade para construir um mundo novo, bem como uma nova economia”, posiciona. “Este é o convite, fazer e pensar uma nova sociedade e uma nova economia, que já estão nascendo. Vamos trazê-las à luz!’, convida.
Desigualdade cresce no Brasil
“A Economia de Francisco” chega em momento propício para a realidade atual brasileira. Estudo do Centro de Políticas Social da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) publicado em agosto último mostrou que a desigualdade social disparou no Brasil nos últimos quatro anos, ou precisamente, nos últimos 17 trimestres.
“Identificamos e datamos inicialmente o período de crise em termos de evolução da desigualdade e da média de renda e suas consequências conjuntas sobre bem-estar social e pobreza. O começo da piora em todas estas variáveis vem do quarto trimestre de 2014, logo após o segundo turno do pleito presidencial e persiste na piora da desigualdade de renda até o segundo trimestre de 2019”, apresenta o diretor do FGB Social, Marcelo Neri, na Introdução da publicação.
“Nem mesmo em 1989, que constitui o nosso pico histórico de desigualdade brasileira, houve um movimento de concentração de renda por tantos períodos consecutivos”, comparam os pesquisadores.
Reportagem da Revista Carta Capital destacou, sobre o estudo, que “enquanto a renda da metade mais pobre da população caiu cerca de 18%, somente o 1% mais rico teve quase 10% de aumento no poder de compra”, sendo que o desemprego foi o principal motivo da discrepância.
Foram considerados os estudos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas residências brasileiras, e o índice Gini, medidor global de desigualdade. Neste índice, quanto mais próximo a 1, mais desigual é o País em questão. Pelo gráfico abaixo, é possível observar o aumento persistente.
Neste período de crescentes discrepâncias, prossegue a reportagem, jovens entre 20 e 24 anos, analfabetos, moradores do Norte e Nordeste e pessoas negras perderam pelo menos o dobro de renda do que a média geral da população. A maior escolaridade observada entre mulheres fez com que elas não estivessem, dessa vez, incluídas nesse rol em comparação aos homens, que perderam mais do que elas.