As soluções para a desinformação passam pela educação crítica da população sobre os meios de comunicação, pelo fortalecimento da cooperação entre o Estado, os agentes privados e a sociedade, buscando soluções coletivas e eficazes e mecanismos de regulamentação desenvolvidos a partir de dispositivos democráticos, e pelo amplo debate crítico.
As propostas constam na cartilha “Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news”, organizada pelo Coletivo Intervozes, lançada no Espírito Santo nesta terça-feira (10) na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Goiabeiras. Na ocasião estarão disponíveis exemplares impressos. Na internet, já está disponível o download da versão em PDF.
O lançamento teve participação do Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas, sistemas e transparência da Ufes. E bate-papo com os pesquisadores Edgard Rebouças, Daniela Zanetti, Cinthya Paiva, Francine Bernardes e Marialina Antolini, que abordaram a greve da Polícia Militar do Espírito Santo em 2017 como exemplo de graves problemas gerados pela desinformação sistematizada, orquestrada pelo Estado – no caso o governo Paulo Hartung – e a mídia hegemônica, e reforçada pelo mau uso das redes sociais.
“Quando tivemos a paralisação da polícia militar em 2017, muito do que se chegou ao conhecimento do público nacional foram boatos, a maioria divulgados via redes sociais como Facebook e Whatsapp e sem muita garantia de procedência. O desencontro e confusão na apuração e publicização das informações, aliás, marcaram todo o período, o que gerou uma crise generalizada de segurança, aumentando a sensação de insegurança entre a população”, explana Cinthya Paiva.
Na mídia corporativa, houve deliberada criminalização da esposas dos policiais e confusão sobre quem eram os atores principais nas negociações entre os trabalhadores e governo do Estado, complementa a acadêmica, que é representante do Intervozes no Espírito Santo.
“O debate da desinformação não é um debate novo. Mas a quantidade de informação, a velocidade com que ela se propaga e o alcance são pontos que tornam o debate mais essencial hoje”, aponta, citando os casos das eleições presidenciais como graves episódios, sendo a dos Estados Unidos em 2016 e a do Brasil em 2018.
Soluções
A cartilha explica como o fenômeno da desinformação se dá atualmente, em que as redes sociais maximizam os efeitos dessa antiga prática. E sugere medidas que podem impedir a violação dos direitos pela internet.
Uma dela é proibir o uso de dados sensíveis para orientar a propaganda na internet. Entre eles, a origem racial ou etnia, convicções religiosas, afiliação a sindicatos ou organizações de natureza religiosa, dados sobre saúde ou vida sexual.
No caso de eleições, a sugestão do Intervozes é fazer cumprir a Resolução TSE 23.551/2017, que determina a identificação das mensagens direcionadas, devendo constar informações sobre o candidato, o partido e o patrocinador.
Já sobre anúncios e postagens direcionadas, as plataformas devem informar os valores, os anunciantes e escopo dos posts, para evitar abuso de poder econômico em propaganda na Internet.
No universo do Whatsapp, a orientação é pela definição de um “número razoável” de participação em grupos por um único usuário (reduzir a automação); pela redução do número de grupos criados por um único usuário, de 9.999 para 499; e pela apresentação de mecanismos de verificação e informação para usuários de conteúdo considerado falso.
Intermediações perigosas
Para Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, é preciso olhar para o papel dos monopólios na circulação da informação, seja dos monopólios da mídia tradicional ou dos monopólios digitais.
“Quando a internet surgiu, a gente acreditava que o fluxo de informação seria livre, que não haveria mais intermediários no processo de comunicação. O que a gente não contava era com a capacidade do sistema capitalista de construir monopólios e criar novas situações de concentração econômica, que na internet se traduzem nessas grandes plataformas, como Facebook, Google, Twitter, que são os novos intermediários e mediam aquilo que tem relevância ou não no debate público”.
As eleições brasileiras de 2018 são um exemplo de como a desinformação passou a ser um fenômeno estruturante das democracias. Laura Tresca, representante da Coalizão Direitos na Rede e diretora executiva da Artigo 19, chamou a atenção para essa questão.
“É importante refletir sobre como o WhatsApp se transformou em uma plataforma de distribuição de desinformação em massa nas últimas eleições. Vimos empresários contratando serviços de distribuição de mensagens na plataforma favorecendo determinado candidato. Chamo atenção para isso porque passa pela questão dos dados pessoais. Existe uma metodologia aí de criação de grupos, de aquecimento de chips, existe uma fábrica para preparar a distribuição em massa das desinformações. Como eram criados esses grupos de distribuição? Eles compravam dados pessoais que eram vendidos aleatoriamente na internet”.
Em resposta às fake news, o Poder Público tem reagido de duas formas: criminalização ou dando mais poder às plataformas para definir o que deve ser retirado ou não.
“Quando olhamos para os projetos de lei que tentam fazer frente ao fenômeno da desinformação, eles se concentram em duas linhas. Uma delas é a linha que quer colocar na cadeia cidadãs e cidadãos que compartilham notícias falsas, como se a gente já não tivesse um problema absurdo no sistema prisional brasileiro e como se prisão resolvesse todos os problemas da nossa sociedade. Tem projetos que chegam a pedir pena de 8 anos para quem compartilha informação falsa, num contexto que é difícil checar informações. Criminalizar quem compartilhou inadvertidamente não é o caminho. A outra linha é obrigar as plataformas a removerem os conteúdos considerados falsos. Isso vai dar ainda mais poder para essas plataformas, que já direcionam o fluxo de informação nas redes. Elas vão ter esse poder de censura privada, não só pela vontade delas, porque muitas já fazem isso, mas por obrigação legal”, ressaltou Bia Barbosa, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e mediadora do debate.