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Asfalto em Itaúnas: obra sobre córrego desmorona

Não foi por falta de apelo. Como noticiado em abril neste Século Diário, moradores da vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, norte do Estado, já realizaram diversas manifestações aos órgãos estaduais, solicitando proteção ao Córrego da Velha Antônia, ameaçado pela obra de asfaltamento da estrada que liga a localidade à sede do município, orçada em cerca de R$ 60 milhões. 

O pedido foi de uma ponte, para que o córrego possa continuar correndo livremente, evitando problemas de alagamento e destruição da estrada, permitindo a manutenção do uso do manancial para a pesca e o lazer, e proporcionando um cenário mais bonito para a entrada da vila. Mas nada adiantou. 

A falta de visão contamina a todos os diretamente envolvidos no licenciamento: Parque Estadual de Itaúnas (PEI), onde a maior parte da obra está sendo feita; Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), responsável pelo parque e pelo licenciamento ambiental; e Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER-ES), responsável pela engenharia da obra, que é executada pela empresa JL. 

O desmoronamento aconteceu na noite do feriado de sete de setembro. “Por volta das nove da noite ouvimos um estrondo, parecia um tiro. No outro dia vimos que tinha desmoronado tudo que fizeram em cima do córrego”, conta um morador que não quis se identificar por medo de represálias.

O anonimato se explica pelo fato de que a estrada tem acirrado ânimos dentro da vila, entre os que querem o asfalto a qualquer custo e são apoiados pela Prefeitura de Conceição da Barra, e os que não querem o asfalto ou que entendem ser necessário modificar o projeto da obra, inserindo pontes, ciclovia e condicionantes socioambientais que possam financiar estudos importantes para o desenvolvimento sustentável da vila, como os planos de Ordenamento da vila (Povi) e de Uso Público do Parque. 

“O Córrego da Velha Antônia é a mãe do Rio Itaúnas. Aquilo ali é um trajeto de rio desde quando existe a terra aqui”, afirma o morador. “Essa obra é irregular e irresponsável, é dinheiro jogado fora. A gente aqui está sem saber o que fazer sobre a questão. Estão passando por cima de tudo. Não temos a quem recorrer”, suplica. 

“O Parque a gente não conta com nada deles. Não vê nenhuma ação de embargo da obra. Todo esse projeto de asfaltamento tem que ser revisto. Imagina! Uma obra desse porte, não tem geólogo pra fazer a estrutura. Acredito que tinha que ter até um paleontólogo, pode ter fóssil da época dos dinossauros aqui embaixo”, alerta, citando ainda outro trecho da obra onde a manilha quebrou, sobre solo de turfa, perto da região do Jabá. 

A gravidade do desastre é tamanha que mesmo entre os que defendem ardorosamente o asfalto, há o reconhecimento de que a obra não está atendendo aos mínimos critérios de qualidade. “A gente viu que ali é mole desde o começo. São 19 a 21 metros de solo mole”, diz Waldyr Paixão Graciano, morador e funcionário da prefeitura, que afirma ter avisado ao Iema e ao DER sobre o ocorrido no feriado, com a vila repleta de turistas. 

“Nós sabemos a importância dessa obra pra gente. Mas precisamos de uma obra de qualidade. Nós queremos uma obra que atenda a todos os requisitos’, afirma Waldyr. “A obra é nossa, o Estado trabalha pra gente”, reivindica. 

Irregularidades confirmadas

Em resposta à primeira reportagem sobre o aterramento do Córrego, o Iema, por meio de sua assessoria de comunicação, confirmou a irregularidade da obra, afirmando, em matéria publicada no dia 19 de abril, que “está sendo analisada a renovação da licença ambiental da obra e da execução da condicionante de comunicação”.

A nota da Ascom/iema confirmou, portanto, que as obras estavam sendo realizadas sem o atendimento de duas pré-condições essenciais do licenciamento ambiental, que são a renovação da própria licença e a realização de um programa de comunicação com a comunidade, para que a mesma possa entender o que será feito, com que técnicas e prazos, e que possa questionar e sugerir modificações, caso necessário.

A única medida tomada pelo órgão, diante dos pedidos e denúncias, foi o aumento das manilhas por onde se pretende fazer passar o córrego, para o tamanho 2m x 2m. 

Ou seja, mesmo com os pedidos de revisão da decisão de manilhamento e sugestão de construção de uma ponte sobre o mesmo – que uma das cinco pontes já previstas no projeto da obra seja direcionada para ele – o Iema confirmou que as denúncias apenas fizeram rever o tamanho das manilhas e bueiro que irão canalizar o corpo d'água, apesar das evidências de seu valor hídrico, paisagístico e afetivo para a comunidade.

Projeto é desconhecido

Por fim, aparentemente como forma de minimizar os erros já cometidos, o Iema diz que “já foi solicitado ao DER a realização de uma nova reunião pública direcionada para todas as comunidades afetadas, diretamente, para tratar dos assuntos relativos à obra da estrada. 

A reunião aconteceu há duas semanas, mas não atendeu à necessidade de apresentação do projeto. Tampouco a comissão de acompanhamento da obra, que funcionaria junto com o conselho gestor do parque, foi instituída. “Pedimos essa comissão em janeiro de 2018. Ninguém conhece a obra, nem entende o que está acontecendo, onde serão as pontes e por quê”, reclama a bióloga Marcia Lederman, presidente da Sociedade de Amigos por Itaúnas (Sapi). 

No mesmo caminho segue Waldyr. “A gente fica triste porque já desceu pra cá pra Itaúnas o Estado inteiro, diretor do Iema, diretor do DER-ES. Aqui tem 1.700 habitantes. No mínimo 30% tinha que estar presente nas reuniões, mas não vem quase ninguém. As pessoas falam, reclamam, mas não acompanham”, pede.

 

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