O Núcleo Estadual de Mulheres Negras do Espírito Santo divulgou uma nota de repúdio contra a ausência de mulheres negras e de suas organizações no Observatório de Políticas para as Mulheres, lançado pelo Governo do Estado na última semana. Segundo o grupo, nenhuma entidade do Movimento Negro foi convocada a participar da construção da nova política. Diante do fato, o Núcleo questiona como pode se dar a construção de um instrumento para subsidiar políticas públicas sem que haja incorporação da dimensão racial e o protagonismo de quem enfrenta em seu cotidiano o racismo e o sexismo.
Outros questionamentos feitos por meio da nota são se de fato é de interesse da atual gestão do Estado romper com o racismo institucional, porque somente mulheres brancas estão à frente do Observatório, e se as mulheres brancas que estão na organização e direção do novo projeto são capacitadas para dar conta da agenda e das especificidades da forma como o machismo e o racismo impactam as vidas das mulheres negras.
“Somos a maioria da população e não teremos representação? Além de enfrentar o sexismo, a mulher negra enfrenta o racismo. É preciso ter mulheres negras nesse processo de formulação de políticas públicas para que nossas especificidades não sejam esquecidas. Essa pauta é nossa. Aceitamos parceiros, companheiros, companheiras, mas o protagonismo dessa questão é nosso”, diz a historiadora, professora e integrante do Núcleo Estadual de Mulheres Negras do Espírito Santo, Lavínia Cardoso.
Em 2015, segundo a nota divulgada pelo Núcleo, as mulheres negras representavam 58,86% das vítimas de violência doméstica, 53,6% das vítimas de mortalidade materna; 65,9% das vítimas de violência obstétrica; 68,8% das mulheres mortas por agressão e 56,8% das vítimas de estupros. Em 2017, de acordo com a nota, as mulheres negras já representavam 63,2% das desempregadas no Brasil.
Lavínia desta que “ninguém é contra o Observatório, e sim, contrário ao fato de que ele foi feito de forma não inclusiva”.
Projeto
O decreto de instalação do Observatório de Políticas Públicas para as Mulheres no Estado foi assinado na última quarta-feira (25), pela então governadora em exercício, Jaqueline Moraes. O projeto se propõe “a formar uma base de dados consolidada e de informações qualificadas, para subsidiar estudos, pesquisas e debates com participação social sobre o tema”.
As áreas temáticas a serem acompanhadas são baseadas no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à violência contra a Mulher, no Plano Estadual de Políticas para as Mulheres do Espírito Santo (PEPMES) e nos campos de atuação da ONU Mulheres. Entre elas estão o mercado de trabalho e a garantia da autonomia econômica das mulheres, características sobre educação, capacitação, saúde, enfrentamento às múltiplas formas de desigualdade, além de liderança feminina e participação política.
A coordenação executiva do Observatório de Políticas Públicas para as Mulheres ficará a cargo da Vice-Governadoria e da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), tendo como suporte técnico e secretaria executiva o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). O grupo é integrado ainda pela Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) e o Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Espírito Santo (Prodest).
Confira a nota de repúdio
“No Estado do Espírito Santo, desde a década de 70, mulheres negras vêm se organizando no combate as consequências nefastas do racismo e do sexismo do qual são vítimas históricas. Segundo Sueli Carneiro, o movimento de mulheres no Brasil é um dos mais respeitados no plano internacional, se destacando nas contribuições do processo de democratização do Estado e no campo das políticas públicas. Atualmente o Movimento de Mulheres Negras pauta suas demandas e agendas em várias organizações, como fóruns, coletivos, institutos, movimentos e partidos políticos”.
E prossegue: “Dentro desse desenho, nos espantou o lançamento no Estado do Espírito Santo de um Observatório de Políticas para as Mulheres, sem qualquer articulação e participação das mulheres negras e de nossas organizações. Pelo que sabemos, não oficialmente, nenhuma organização do Movimento Negro foi convocada, o que configura um desrespeito com as nossas pautas e lutas. Como construir um instrumento para subsidiar políticas publicas no Espírito Santo sem incorporar a dimensão racial ou mesmo o protagonismo daquelas que vem cotidianamente enfrentando o racismo e o sexismo nesse Estado? O silêncio é uma das armas de perpetuação do racismo. Por isso, a não incorporação dessa questão como um eixo central tem o nosso repúdio. Não somos contra o observatório, mas sim a forma racista como foi constituído, sem a presença das Mulheres Negras”.
Por fim, ressalta: “Somos 55,6 milhões de pessoas em todo o Brasil e representamos a maior parte da população brasileira e capixaba. No entanto, os indicadores sociais são ilustrativos da brutalidade contra as nossas vidas, resultantes de mais de trezentos anos de escravidão e do racismo institucionalizado. Em 2015, as mulheres negras representavam 58,86% das vítimas de violência doméstica, 53,6% das vítimas de mortalidade materna; 65,9% das vítimas de violência obstétrica; 68,8% das mulheres mortas por agressão e 56,8% das vítimas de estupros. Em 2017, as mulheres negras já representavam 63,2% das desempregadas no Brasil. Por isso, questionamos: é de interesse da atual gestão do Estado romper com o racismo institucional? Porque somente mulheres brancas estão à frente do Observatório? Será que não existem mulheres negras capacitadas academicamente e com representatividade política para participar ativamente da organização e direção do Observatório de mulheres? Será que essas mulheres brancas estão capacitadas para dar conta da agenda e das especificidades da forma como o machismo e o racismo impactam nas nossas vidas?”.