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Governo rescinde contrato com Organização Social que gere Infantil de Vila Velha

Depois de dois anos de sucessivas reclamações e graves denúncias, a Organização Social Instituto Gestão e Humanização (IGH) deixou de administrar o Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves, conhecido como Himaba ou Infantil de Vila Velha, conforme Século Diário já havia antecipado. O anúncio foi feito aos trabalhadores da unidade – concursados, temporários e terceirizados – pelo próprio secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, um pouco depois da meia-noite dessa segunda-feira (14), quando a decisão do governo Renato Casagrande já estava no Diário Oficial, disponível nos primeiros minutos da madrugada desta terça-feira (15).  

  

Em março deste ano, o governo anunciou que realizaria uma auditoria nos hospitais estaduais administrados por Organizações Sociais (OSs), trabalho realizado pela Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont). O Himaba, em Vila Velha, administrado desde 2017 pelo IGH, foi o primeiro alvo da fiscalização. As investigações constataram um rombo de, pelo menos, R$ 37 milhões em prejuízos aos cofres públicos, fruto de má gestão e irregularidades. Também foram constatadas prestação de contas na forma e no tempo inadequados e contratação de serviços com valores bem acima ao que permitia o contrato. Uma ação civil pública por parte do Ministério Público também corre na 1ª Vara da Fazenda de Vila Velha para apurar as irregularidades.

Segundo fontes ouvidas por Século Diário e ligadas à área da saúde, quem também está na mira e pode ter seu contrato rescindido é a OS Pró-Saúde, que administra o Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), no Forte São João, o antigo São Lucas.  

Na reunião com os servidores, Nésio Fernandes deu um panorama dos próximos passos a serem tomados após a rescisão contratual. Segundo o secretário, para não parar os serviços, uma outra OS será contratada de forma emergencial e deve assumir o hospital em duas semanas. Até lá, haverá uma seleção pública para a contratação de uma outra organização. A rescisão contratual previu a obrigação da Organização Social IGH quitar suas pendências e prestar contas dos recursos repassados em até 120 dias, devolvendo eventuais saldos não aplicados. Foram criadas duas comissões que irão apurar os haveres e garantir a transição dos serviços.

Aos trabalhadores, Nésio Fernandes garantiu que todas as horas extras serão pagas e que os efetivos vão permanecer com seus vínculos com o Himaba, a não ser que escolham pela transferência. Funcionários do IGH sem férias também receberão revisão dos contratos. No mês de aviso prévio, a nova empresa chamará os funcionários para conversar com a finalidade de firmar ou não contrato empregatício. No total, são 862 funcionários celetistas, que somados aos médicos e outros servidores chegam a 1,2 mil contratos rompidos – boa parte deve ser reaproveitada pela nova OS. 

Anúncio oficial

A Secretaria de Estado da Saúde utilizou seu site oficial para anunciar a quebra contratual em nota publicada nos primeiros minutos desta terça-feira. Por meio de perguntas e respostas, o governo explicou os motivos da rescisão contratual. “O monitoramento realizado pela Sesa identificou problemas na gestão dos serviços prestados pela Organização Social, que depois foram confirmados por uma inspeção requerida ao Controle Interno. Esses apontamentos eram razões suficientes para justificar a rescisão, no entanto, a própria organização propôs a resolução antecipada do contrato, alegando insustentabilidade econômica… Eram problemas de diversas ordens, que vão desde a não-prestação de contas na forma e no tempo adequados, até a contratação de serviços com valores superiores aos suportados pelo contrato, além do acúmulo de pendências com fornecedores”.

E completa: “A Sesa garante que os serviços funcionarão normalmente e na mesma frequência. Alguns aperfeiçoamentos serão implementados para melhorar a qualidade assistencial, corrigindo alguns problemas identificados na gestão anterior. A Sesa adotará os ritos padrões nesses casos, determinando a auditoria completa no contrato para apurar eventuais responsabilidades administrativas que tenham causado eventual dano ao erário, reportando os resultados ao Tribunal de Contas do Estado”.

 

Histórico de denúncias

Desde setembro de 2017, quando a Organização Social Instituto de Gestão e Humanização (IGH) assumiu a administração do Hospital Infantil de Vila Velha (Himaba), uma série de denúncias ronda a unidade. 

Entre as graves denúncias contra a OSs nesses dois anos, o caso mais chocante foi registrado em maio de 2018, quando Século Diário tornou público, com exclusividade, um relatório com dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) revelando que, no período de seis de outubro até 22 de dezembro de 2017, quase 30 recém-nascidos morreram na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (Utin) do Himaba. De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, boa parte por infecção generalizada. A documentação relacionada às mortes foi levada pelo Sindsaúde ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

 

Também foram denunciados, nesse período, falta de medicamentos, extinção da classificação de risco (espécie de triagem para organizar o atendimento), superlotação, pacientes com doenças contagiosas sem isolamento, paralisação no atendimento de algumas especialidades, falta de estrutura, com pessoas internadas nos corredores; dívidas com fornecedores e trabalhadores; contratação de profissionais sem experiência e a baixos salários, repasses retidos por apresentar relatórios de prestação de contas inconsistentes; e até problemas com racionamento de comida.

Desde a criação da fundação estatal, aprovada pela Assembleia Legislativa neste mês, há a expectativa de que as OSs deixem gradativamente de gerir a saúde pública estadual. 

Questionamentos

Ainda em 2017, uma decisão da Justiça chegou a interromper o processo de  contratação do IGH para gerir o Himaba. Depois do lançamento do Edital 001/2017, o sindicato e o conselho gestor do hospital protocolaram denúncia no Ministério Público do Estado (MPES) em virtude das irregularidades cometidas pela OS em outros estados, onde acumula denúncias de quebra de contrato. 

 

No Piauí, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-PI) determinou a suspensão do contrato entre a secretaria de saúde daquele estado e o IGH, que era responsável pela gestão do Hospital Justino Luz, no município de Picos. O contrato havia sido firmado sem a discussão e participação dos atores envolvidos. Além disso, uma comissão parlamentar descobriu diversas irregularidades no contrato e, junto com sindicatos de servidores, ingressaram com a ação questionando a contratação.

 

Em 2016, funcionários do IGH que atuavam no Hospital Roberto Santos, em Salvador, chegaram a paralisar as atividades por falta de pagamento de salários.

 

Mais uma OS a dar problema

A IGH não é a primeira OS a causar problemas no Estado. Desde o final de 2009, quando o Hospital Central (Vitória) passou a ser a primeira unidade estadual a ter a sua gestão terceirizada, já foram dois episódios. O primeiro no próprio Central, que precisou trocar a Pró-Saúde, que venceu a primeira licitação, mas abandonou o contrato alegando que os valores repassados eram insuficientes. Em dezembro de 2011 até os dias atuais, foi substituída pela Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC). 

 

O caso mais grave ocorreu com o antigo São Lucas, reinaugurado em setembro de 2014, com o nome de Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), sendo gerido pelo Instituto Americano de Pesquisa, Medicina e Saúde Pública (IAPEMESP). Ainda em 2014, o então secretário de Saúde, Tadeu Marino, citou inconformidades encontradas nos relatórios de gestão da OS. Entre eles, valores superfaturados nos contratos de aquisição de materiais e medicamentos, ausência de assinaturas nos contratos e falta de transparência nas escalas dos funcionários.  “Desde o primeiro mês do ‘novo São Lucas’, encontramos irregularidades’, disse o secretário à ocasião. 

 

Marino destacou, ainda, a falta de habilidade administrativa da Iapemesp para abertura de novos leitos. A promessa inicial era que, até o final de 2014, o HEUE contasse com 175 leitos, contudo, ao final do prazo, havia apenas 98. Foi necessária intervenção administrativa do Estado por um ano para preservar o patrimônio público. Em dezembro de 2015, a Pró-Saúde assumiu a gestão do HEUE, apesar de já ter tido declinado de administrar o Hospital Central.

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