Ocupado desde agosto de 2017, o destino das 40 famílias que moram no edifício Santa Cecília, no Centro de Vitória, deve ser o aluguel social pelo prazo de um ano. Completamente irredutível, a Prefeitura de Vitória, dona do imóvel, não aceitou qualquer negociação para que os sem-teto permanecessem no imóvel. Desde que ingressaram no local, 109 pessoas realizaram toda a limpeza do prédio para torná-lo habitável e a proposta era de que pagassem pela reforma num acordo com o poder público, de forma a financiar a moradia própria. Nada feito.
Diante da reintegração de posse, que deve ocorrer nos próximos dias, as famílias programam um protesto que deve ocorrer nesta sexta-feira (18), em frente ao Santa Cecília, prédio que ficou famoso por abrigar um dos mais importantes cinemas da cidade até a década de 90. O local já foi também sede de um hotel, mas ficou abandonado por cerca de 13 anos até a ocupação.
Moradora e uma das líderes da ocupação, Rafaela Regina Caldeira, de 36 anos, conta que foram esgotados todos os recursos judiciais para que os moradores pudessem permanecer no Santa Cecília. Descontentes com o aluguel social de um ano, que não resolve o problema de forma definitiva, os membros da ocupação vão fazer um protesto, um ato em favor da moradia. “Estamos aqui há dois anos e dois meses, mas nossa luta vem de muito mais tempo. São mais de três anos, desde a Fazendinha, na região de São Pedro, ocupação que também foi desarticulada pela prefeitura num terreno dela que estava sem utilização”, conta.
Para a Fazendinha, inclusive, foi idealizado um projeto de conjunto habitacional popular por alunos do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Estado (Ufes), também renegado pela gestão do prefeito Luciano Rezende (Cidadania). O grupo, em seguida, ocupou o prédio do antigo IAPI, no Centro de Vitória, que sofreu um princípio de incêndio. Foi deslocado para a quadra da escola de samba Piedade, onde sofreram roubos e ameaças. Depois, por pouco tempo, ocuparam o edifício Sagres, também no Centro, indo então para o Santa Cecília.
Rafaela mora na ocupação com o filho de 11 anos e um dia, que é cadeirante. Segundo a liderança, na ocupação há 37 crianças e três idosos. Por isso, há muita preocupação de que forma se dará a reintegração de posse.
Já Jéssica Oliveira Souza, garçonete desempregada, de 28 anos, explica que a Defensoria Pública fez a defesa dos moradores, mas não houve consenso. “A gente não quer o aluguel social por apenas uma ano. Por isso, vamos fechar a rua em protesto, apesar de a prefeitura já ter avisado que nos dará uma multa de R$ 5 mil”.
Jéssica, que diz ter dificuldades de manter um emprego pelo preconceito contra os que moram na ocupação, tem marido e quatro filhos, com as idades de dois, três, nove e 10 anos.
Luta judicial
A prefeitura conseguiu uma liminar de reintegração de posse, porém na decisão judicial, confirmada em segunda instância, a PMV só poderia reaver o imóvel depois de oferecer uma solução para o destino das famílias sem teto que ocupam o lugar.
Em reunião realizada em abril deste ano, representantes da ocupação, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLN) e das Brigadas Populares apresentaram para a prefeitura uma proposta de reforma conjunta do edifício, com a permanência das famílias no local.
“Acreditamos que é obrigação do poder público realizar as políticas de moradia, mas tendo em vista as dificuldades financeiras, estamos propondo que o custo e o trabalho da reforma do edifício fossem compartilhados entre a prefeitura e o movimento”. Para isso, os próprios moradores estariam dispostos a colaborar, além de uma equipe de arquitetos e engenheiros parceira que está disposta a ajudar na realização do projeto”, explica Lucas Martins, das Brigadas Populares.
De acordo com Lucas, esse tipo de intervenção do poder público junto aos moradores mantendo-os no local é comum, principalmente nas ocupações horizontais, em terrenos vazios, mas também já foi feita em ocupações verticais no Brasil e no mundo.
O secretário de Obras e Habitação e vice-prefeito, Sérgio Sá (PSB), esteve presente na reunião intermediada pelo secretário de Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho, Bruno Toledo, já que o diálogo entre as partes não vinha acontecendo. Mas a prefeitura foi irredutível. Considera que é necessária a retirada das famílias para que sejam feitas as obras para destinar o Edifício Santa Cecília para programa social de habitação, no qual os atuais ocupantes teriam que disputar as vagas de acordo com os critérios do poder público, assim como em outros projetos.
Posto de Saúde
Em junho deste ano, por intermédio da Defensoria Pública, 40 famílias do Santa Cecília chegaram a ser cadastradas na Unidade de Saúde Geny Grijó, praticamente vizinha ao edifício, no Parque Moscoso. Apesar dos dois anos de residência na cidade, o prefeito Luciano Rezende se negava a prestar a integralidade dos serviços públicos de saúde aos moradores do edifício, sob o argumento de que, por morarem em uma ocupação, não seriam residentes regulares do Centro.
A unidade de saúde apenas realizava atendimentos emergenciais aos moradores que a ela se dirigiam, mas se recusava a realizar o cadastramento das famílias, medida essencial para o acompanhamento médico, atendimento domiciliar, fornecimento regular de medicamentos e marcação de consultas com determinadas especialidades. Entre os que residem na ocupação, encontram-se pessoas idosas, grávidas, crianças e pessoas com deficiência física, algumas com necessidade de cuidados especiais.