A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o juiz de execução de medidas socioeducativas de menores do Espírito Santo deve conferir a superlotação das unidades de cumprimento antes de determinar a internação de jovens. Se não houver vaga, o juiz deve autorizar o recolhimento domiciliar.
O colegiado seguiu o entendimento do ministro Ribeiro Dantas. Segundo ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente trata o recolhimento de jovens como medida ressocializadora e educadora. Por isso, antes de enviar os jovens para as unidades de internação, o juiz responsável pela decisão deve verificar se elas têm condições de abrigar os jovens com respeito à dignidade deles e garantir a educação e a ressocialização deles.
“Recomendo ao juízo das execuções da medida socioeducativa que verifique as condições locais de internação do menor, e, caso afrontem a dignidade humana e o escopo educador e ressocializador da medida, analise a possibilidade de conversão desta em internação domiciliar”, afirma o trecho do voto do ministro que se refere à questão.
O Estado também foi alvo de decisão inédita do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, que determinou uma taxa de ocupação máxima de 119%, fixada em todas as unidades do sistema socioeducativo capixaba, tendo como principal referência a superlotação verificada na Unidade de Internação do Norte do Estado (Unis Norte), em Linhares. Posteriormente, houve extensão da medida para os estados do Ceará, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.
Em abril deste ano, no entanto, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Espírito Santo (Criad-ES) divulgou uma carta aberta à sociedade capixaba em que denuncia o descumprimento das determinações do STF. A decisão do ministro Fachin determinou que os adolescentes deveriam ser remanejados para o meio aberto (regime de liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade) até que a superlotação das unidades capixabas, que variavam na ocasião entre 270% a 300%, caíssem para 119%.
As violações sistemáticas aos direitos humanos dos adolescentes internos do sistema socioeducativo capixaba também alcançaram repercussão nacional em setembro deste ano, quando a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou incidente de deslocamento de competência (IDC) para apurar graves violações de direitos humanos na área de socioeducação no Estado, que, de acordo com o documento, vem ocorrendo sistematicamente desde o ano de 2009 até os dias atuais, passando pelos governos de Paulo Hartung (sem partido) e Renato Casagrande (PSB).
O pedido de federalização foi enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e busca assegurar o cumprimento das determinações do Estatuto da Criança do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atenção ao Atendimento Socieoducativo (Sinase), além de responsabilizar os acusados por violações de direitos humanos praticados contra adolescentes. Segundo as representações, as violações consistem na manutenção de adolescentes e jovens custodiados em instalações inadequadas, insalubres e inseguras, sem condições mínimas de higiene e sem respeito aos direitos fundamentais à saúde, à educação e ao lazer, dentre outros, e sujeitos a toda sorte de arbitrariedades, omissões e violência.
Prerrogativas para agentes
Coincidentemente, a decisão do STJ foi anunciada no contexto em que a Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei Complementar (PCL) 38/2019. Ele garante prerrogativas para agentes e seguranças socioeducativos do Espírito Santo. O ponto do projeto, de autoria do deputado Lorenzo Pasolini (sem partido), que tem causado polêmica, é o porte de arma para agentes de segurança socioeducativos.
O Grupo de Trabalho de Socioeducação do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores do Estado (Sindipúblicos), composto por servidores do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado do Espírito Santo (Iases), se manifestou a respeito do assunto por meio de nota. Nela o grupo repudia “ações que dizem respeito à regulamentação, aquisição e implementação do uso de ‘Tecnologias Não Letais’ (armas menos letais) pelo Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado do Espírito Santo”.
Segundo o GT, o projeto de lei está na contramão das legislações nacional e internacionais, que versam sobre garantia dos direitos e a proteção de crianças e adolescentes, além de organizar e orientar a política pública de socioeducação. A nota afirma, ainda, que as armas menos letais podem causar lesões e, até mesmo, a morte. E que isso se agrava quando “se pretende fazer uso de tais armas em um sistema socioeducativo, que tem como público alvo, adolescentes e jovens em fase de desenvolvimento peculiar”.
Os integrantes do GT também recordam que o Espírito Santo passa, desde 2009, por problemas em relação “às violações de direitos, abusos e possíveis ações de tortura contra os adolescentes e jovens, o que gerou como consequência sanções do Estado Brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
“É um absurdo. Estão querendo dar para a socioeducação uma função de força pública de segurança. Ao meu ver, o projeto de lei é inconstitucional, pois quem avalia a questão de porte de arma é a esfera federal, e não a estadual. No Mato Grosso, um projeto de lei parecido foi barrado pelo STJ”, diz Gilmar Ferreira, do Centro de Direitos Humanos da Serra, referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional o trecho da Lei 8.321/2005, do Mato Grosso, que autorizou o porte de arma de fogo aos servidores da carreira dos profissionais da perícia oficial e identificação técnica com o argumento de que é competência da União legislar sobre questão relativa a material bélico.
“Se o plenário da Assembleia Legislativa aprovar nos restará duas opções: a primeira é o governador usar sua atribuição e vetar. A segunda é uma ação judicial que suste os efeitos da lei aprovada”, afirma Gilmar.