“Salve o surfe em Jacaraípe”. Com essa chamada, a comunidade surfista lançou um abaixo-assinado eletrônico pedindo apoio para que a Prefeitura da Serra interrompa os trâmites voltados ao “engordamento” da faixa de areia do balneário, que concentra importantes “picos” de surfe do Espírito Santo.
A intervenção está prevista para o primeiro semestre de 2020 e tem caráter preventivo, segundo o município, alegando que as mudanças climáticas podem reduzir a faixa de areia e avançar sobre calçadão e outras estruturas urbanas.
Para os surfistas, no entanto, a medida pode alterar profundamente o fundo do mar, interferir na formação das ondas e acabar com a prática do esporte na região, prejudicando não apenas os esportistas, mas todo o comércio local, além de um projeto social fundamentado no surfe que beneficia centenas de crianças.
Foto: Fabio Machado
“A gente não é contra, simplesmente. Queremos diálogo. O estudo que a prefeitura fez considera que o esporte pode ser afetado?”, questiona o microempresário Fabio Machado, surfista em Jacaraípe há 25 anos.
“Surfistas, moradores, associação de surfe, organizações ambientais e comerciantes precisam ser consultados e debater este assunto com calma e tempo, antes de qualquer intervenção que tenha possibilidades tão sérias”, argumenta, em correspondência enviada à secretária municipal de Meio Ambiente, Áurea Galvão.
“Quando o fundo de areia é modificado, a formação e a chegada das ondas podem ser prejudicadas ou mesmo acabarem. Esse fato foi testemunhado em diversas praias pelo mundo e até mesmo em nosso Estado. Com isso, acaba a prática do esporte e consequentemente milhares de pessoas deixarão de frequentar essas praias semanalmente”, explica.
Invisíveis
Jacaraípe, ressalta, é privilegiada, com sete pontos propícios para a prática do surfe. “Poucos balneários possuem essa quantidade de pontos em uma faixa litorânea tão curta”, enfatiza. Regência, em Linhares, no norte do Estado, por exemplo, conhecida nacionalmente entre os adeptos do esporte, tem duas praias com essa destinação.
Foto: Fabio Machado
“O volume de surfistas que frequentam Jacaraípe, de segunda a domingo, de janeiro a dezembro, é muito grande. O surfista vai lá independentemente de férias, de dia de semana, de sol ou chuva. E é engenheiro, médico … não é mais só o adolescente que 'tá' à toa”, descreve Fabio. “Tem dia que a gente conta, tem 200 pessoas dentro da água surfando. Se estivessem jogando futebol, seriam dez campos de futebol, e a Serra ia ser declarada a potência do futebol capixaba”, compara. “Pra prefeitura somos invisíveis. Mas a gente movimenta bastante dinheiro no comércio, nos postos de gasolina, padaria, supermercados, restaurantes, pousadas, hotéis, lojas de prancha e de roupas”, expõe.
Novamente usando Regência como referência, Fabio lembra o que aconteceu com a comunidade após o impacto da lama de rejeitos de minério da Samarco/Vale-BHP, que contaminou o mar e praticamente expulsou, por pelo menos dois anos, o turismo de surfe, tão importante para a economia local, levando muitos empreendimentos à falência ou quase isso. “Regência agora tenta se reerguer com a volta de uma pequena parte dos surfistas e suas famílias, mesmo sem um laudo comprovatório de segurança nas águas do mar”, diz.
Estrutura
Em decorrência da mobilização já feita, a gestão do prefeito Audifax Barcelos (Rede) convocou uma reunião com os surfistas para a próxima terça-feira (29), às 9h, na sede administrativa da Área de Proteção Ambiental (APA) Mestre Álvaro, no bairro Santo Antonio. “Na terça a gente espera fazer o que já devia ter sido feito antes”, afirma o surfista.
Na ocasião, os manifestantes esperam também abordar questões relacionadas ao urbanismo básico da praia. “A gente não tem nenhum chuveiro funcionando em Jacaraípe inteira. Não tem banheiro pra trocar de roupa. Não atendem a gente no básico, mas quando vem com uma intervenção, vem com uma intervenção pesada”, critica, lembrando que são itens que beneficiariam não apenas os surfistas, mas todos os frequentadores, incluindo famílias com crianças.
Ato
O ato público de domingo (27), “em defesa do meio ambiente e do surfe”, será na praia do Barrote, a partir das 9h, quando serão debatidos os riscos da intervenção pretendida pela prefeitura, numa espécie de prévia da reunião convocada para a terça-feira.