Pela primeira vez, o Espírito Santo realizou a Semana Lixo Zero, que aconteceu de 21 a 25 de outubro. Além de uma oficina de compostagem realizada presencialmente, outras atividades de divulgação aconteceram por meio das redes sociais. Renata Machado, do Projeto Pegada, que representa o Instituto Lixo Zero no Estado, falou sobre a questão da proposta em torno do lixo zero.
Dizem que nosso lixo pode dizer muito sobre nós e nossos hábitos. O que acha que o lixo que produzimos diz de nós como sociedade?
Para responder como sociedade, eu preciso fazer um recorte “antropológico” para saber de onde sai esse “saber” ou “achar” em relação a nosso relacionamento com o lixo que produzimos. Sou psicóloga por formação, fundadora e coordenadora do programa de educação ambiental do Projeto Pegada, e recentemente a convite do Matheus Peçanha, embaixadora do Lixo Zero em Vitória. Para pensar o que o nosso relacionamento com o lixo diz sobre nós “sociedade”, preciso pensar no que diz de mim “individuo”. Replicamos coletivamente os hábitos que temos como indivíduos em nossas casas. Se somos consumistas, materialistas, imediatistas e relativistas enquanto indivíduos, seremos assim enquanto sociedade. Hoje a pressa e praticidade justificam nossas péssimas escolhas de desperdício e frequente aumento de produção de lixo. Nos tornamos experts em criar necessidades “estúpidas”.
É possível pensar uma sociedade de lixo zero?
Sim, o contexto simbólico do zero lixo não se dá na ausência de descarte, mas no descarte correto! Lixo só é lixo se for descartado de forma incorreta, caso contrário é resíduo e pode voltar para cadeia produtiva de alguma forma.
De quem deve ser a responsabilidade sobre o lixo? De quem produz, de quem consome, do poder público?
Sempre que falo disso nas palestras, gosto de lembrar a simbologia de um grande livro da infância de todos nós, “O Pequeno Príncipe”. No livro aprendemos de maneira lúdica, uma grande verdade: “torna-se responsável por tudo aquilo que cativas” desde um animal de estimação que você chama de “seu”, a uma amizade que você desenvolve, ao produto que você comprou e tem uma embalagem vazia no final.
Quando a mãe se nega a dar um pet ao filho, sob o argumento de que ele não vai cuidar, ela está reafirmando isso: “você deverá ser responsável por ele, você entendeu que eu não vou cuidar?”. É basicamente isso que acontece: gente quer o pet mas não quer cuidar, e espera de uma “mãe” boazinha o cuidado e a correção de nossos erros! Esperamos que o poder público limpe o que sujamos, mas não queremos parar de sujar! Queremos que as fábricas produzam opções ecológicas, mas não estamos dispostos a pagar ou simplesmente mudar de hábitos diante das soluções propostas pelo mercado! Aqui volto à questão inicial. O resultado só aparece coletivamente quando é a réplica do que somos individualmente. Essa é uma luta individual, que se expressa em um coletivo!
Conte-nos um pouco sobre a Semana Lixo Zero e sua importância para sensibilizar as pessoas. Que atividades foram feitas nesse ano no Espírito Santo? É a primeira vez que o Estado participa? Como ela se articula no cenário nacional?
Como primeira vez em Vitória, o coletivo #semanalixozerovitória contou com inúmeros voluntários de diversas frentes. Nós do Projeto Pegada ajudamos a dar estrutura e organização ao movimento, mobilizando nossa rede de voluntários cadastrados, que já é grande no Espírito Santo, para disseminar o convite às atividades da semana lixo zero. Contamos com a parceria do Núcleo Camaleão, com gabinete do deputado Fabricio Gandini [Cidadania], com a AMARIV, associação de catadores de Vitória, e vários monitores do Projeto Pegada, para organizar uma oficina de compostagem doméstica gratuita, durante essa semana, e no restante dos dias, nos propusemos a desenvolver de forma online um circuito de matérias com exemplos práticos de ações lixo zero, acontecendo e dando certo. Optamos por empoderar indivíduos em iniciativas individuais para darem o tom de incentivo para que todos possam começar alguma prática, por menor que seja, em sua rotina diária.
Como considera que o nosso Estado está nessa questão do lixo e tratamento de resíduos, no contexto brasileiro?
Posso falar melhor de Vitória, que enquanto poder público da capital tem quase 100% de esgoto tratado, e que como indivíduos estamos aumentando a cada dia o número de voluntários despertos e conscientes. Um exemplo disso foi o recorde mundial, em ação coletiva no recolhimento de lixo nas praias. Recentemente o projeto Pegada mobilizou uma ação de sensibilização histórica com o lixo. No dia mundial do “Clean Up Day” fizemos um mosaico de quase 80 metros de comprimento, com lixo recolhido nas praias por voluntários. Isso é uma contradição, pois apesar de comemorar tanto lixo fora do mar e praias graças a esses voluntários que se levantam como heróis despertos e protetores da natureza, por outro lado pensamos que só foi possível tal proeza porque o lixo estava lá, ou melhor, porque foi jogado lá, e nisso não há orgulho algum. Por fim ouso dizer que sou otimista, que vejo uma geração disposta a repensar hábitos e iniciar correções em comportamentos, se desenvolvendo fortemente no Espírito Santo.
Que tipo de iniciativas simples e cotidianas podem ser tomadas em âmbito individual ou familiar para ajudar a reduzir o lixo tanto orgânico como reciclável?
Adotar uma ecobag para ir ao mercado é uma ação simples, que repetida constantemente se torna um hábito. Escolher verduras e frutas que não estejam em embalagens “pré-selecionadas”com isopor e filme plástico, te darão um bom desconto na compra, e, repetida constantemente, fará os mercados repensarem esse tipo de disposição de produtos. Guardar embalagens pet ou de vidro para comprar a granel renderá além de descontos, redução no volume dos resíduos recicláveis também. Essas e outras dicas, povoaram o nosso Instagram nessa Semana Lixo Zero em Vitória.
Sobre políticas públicas e empresariais, que tipo de iniciativas de grande impacto podem ser adotadas para reduzir a produção de lixo e caminhar para uma economia mais sustentável e circular?
Conforme comentei anteriormente, acredito que o poder está na mão de cada um de nós, que pode fazer melhores escolhas no mercado pressionando-o, e direcionando assim as iniciativas empresarias. Na Europa, por exemplo, a cultura dos boicotes a empresas que entram em desacordo com uma ou outra politica de sustentabilidade já acontece há anos. O incentivo à politica reversa lá também já acontece através da recompensa em dinheiro ou em descontos, e já transformou a cultura do reuso no pais. Uma grande empresa pode facilmente sugerir e incorporar a extinção dos copos descartáveis, como uma estratégia de marketing ou de sensibilização, isso traria um enorme impacto no consumo e produção de plástico daquela região.
O lixo eletrônico é outro desafio muito grande, pois além de crescente há dificuldades em saber o descarte correto. Como essa questão tem caminhado no Brasil?
Desde 2010, foi instituída pela Lei 12.305/10 a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que definiu os princípios, objetivos e instrumentos, bem como diretrizes, relativas à gestão e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, em âmbito nacional. A logística reversa é uma solução eficiente para o descarte de lixo eletrônico e alguns outros resíduos de caráter de risco ao meio ambiente. Embora ainda tenha muitos desafios a serem superados, os fluxos reversos têm ganhado cena e palco cada dia mais presente nas nossas comunidades.