O nível de tensão no Centro de Detenção Provisória de Vila Velha (CDPVV), o presídio de Xuri, localizado na zona rural do município, tem aumentado nos últimos dias. O motim realizado na manhã desse domingo (3) pode ter relação com a superlotação da unidade, que abriga 934 presos numa estrutura que comporta apenas 534. Desde o início do ano, o número elevado de presos na unidade prisional tem sido apontado como problemático, inclusive pelo Sindicato dos Inspetores Penitenciários do Espírito Santo.
Para Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH), a superlotação é, sim, um elemento que pode propiciar motins e rebeliões, no entanto, esse fator é somado a outros como um carcerário violador e que nega os direitos mais básico dos internos, como ausência de serviços de saúde, alimentação adequada, celas e demais locais insalubres, maus-tratos por parte de servidores, ausência de serviços advocatícios e manutenção de prisões ilegais e arbitrária.
Ferreira explica ainda que as condições insalubres do cárcere tendem a piorar com a chegada do verão e as altas temperaturas. “O calor aumenta, os mosquitos aumentam, o que tenciona o ambiente. Problemas na alimentação de má qualidade causam problemas de saúde. Por isso, é urgente adotar medidas para desencarcerar”, explicou Gilmar.
Em abril deste ano, quando nove presos fugiram da unidade, o Sindicato dos Inspetores Penitenciários indicou que os principais problemas do conjunto são a superlotação carcerária e a falta de estrutura para os agentes penitenciários poderem realizar as atividades.
Luta contra superlotação
A coordenadora de Direito Penal da Defensoria Pública Samyla Gomes, que também acompanhou os eventos dessa domingo, aponta que a unidade está superlotada, e a atuação da DPES no local tem sido fundamental para que a situação não fique pior. “Desde o início deste ano, a equipe de monitoramento da superlotação carcerária esteve por quatro vezes no CDPVV, onde atendeu mais de 300 internos. Nosso trabalho tem sido intenso e semanal para garantir que as prisões não excedam o tempo previsto em lei e que sejam concedidos aos internos os direitos e garantidas fundamentais”.
A Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Direitos Humanos, Coordenação de Direito Penal e Núcleo de Execução Penal, esteve em Xuri acompanhando o princípio de rebelião envolvendo internos de duas galerias da unidade, juntamente com representantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e do Comitê Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura (Cepet/ES). Os profissionais e militantes apuram as possíveis causas do conflito.
Segundo Hugo Matias Fernandes, coordenador de Direitos Humanos da Defensoria Pública e também coordenador do Cepet/ES, os familiares estavam bastante apreensivos e receberam orientação jurídica acerca das possíveis providências a serem tomadas. Além disso, o princípio de motim será debatido nesta segunda-feira (4) em reunião no CEDH.
“Fomos recebidos pela diretoria da unidade e o que pudemos constatar foi que o princípio de motim já havia sido controlado e o evento teria envolvido duas galerias do CDPVV. Na ocasião, dois internos machucados foram escoltados para atendimento externo, os demais feridos foram atendidos e medicados na própria unidade. As celas danificadas estavam sendo reparadas pelos presos do semiaberto”, relata Fernandes.
Manual contra maus tratos
Diante do quadro de denúncias de maus-tratos e de tortura nos sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação para a Prevenção da Tortura (APT) assinaram Termo de Cooperação Técnica para promover e implantar ações voltadas à prevenção e combate à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes em situações de privação de liberdade. Entre outros itens, o termo prevê a elaboração de manual de orientação a tribunais e magistrados e identificação e difusão de boas práticas nacionais e internacionais no tema, com foco especial nas audiências de custódia.
De acordo com o CNJ, o manual a ser elaborado também terá como foco os servidores do sistema prisional, como os agentes penitenciários, muitas vezes acusados como os responsáveis pelos atos de maus-tratos. Também serão desenvolvidas ações de capacitação a juízes e outros atores do sistema de justiça, assim como subsídios para a atualização de normativos do CNJ, em especial a Recomendação n. 49/2014, que trata da observância do Protocolo de Istambul, da ONU, sobre crime de tortura.
Outra ação prevista no acordo é a definição de estratégias para incrementar o diálogo com as forças de segurança e servidores penais do Estado. O objetivo é identificar fatores de risco e proteção e melhorar a abordagem e detenção policial.