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‘Nem lama nem óleo! Águas para a vida!’

No dia em que se completam quatro anos do maior crime socioambiental da história da mineração mundial, cerca de 500 atingidos, oriundos de diversas localidades ao longo do Rio Doce, realizaram protestos em Linhares, norte do Estado, município onde a lama que rompeu da Barragem de Fundão em Mariana/MG chegou ao mar, contaminando todo o litoral capixaba, além do sul da Bahia e norte do Rio de Janeiro. 

Com o lema “Nem lama, nem óleo: Águas para a Vida!”, as manifestações reuniram também movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além da Comissão Pastoral da Pesca (CPP), associações, colônias e sindicatos de pesca. 

A programação teve início pela manhã, com um ato em frente ao escritório da Fundação Renova, onde um boneco representando a entidade foi queimado, à semelhança da malhação do Judas, feita tradicionalmente no sábado de Aleluia. 

Em seguida, os atingidos caminharam pelas ruas da cidade, protestando em frente à Prefeitura e à Câmara de Vereadores. O último ponto de parada foi a rodovia ES-248, na altura da barragem do rio Pequeno, onde a Fundação mantém, há mais de um ano, um canteiro de obras, sem, no entanto, resolver o risco de contaminação da lagoa Juparanã, a segunda maior do país e fonte de abastecimento da população linharense. 

“Estamos em protesto contra as empresas e a Fundação Renova, que poluíram nosso rio e tiraram o nosso sustento”, declarou a artesã Terezinha Guez, de Baixo Guandu, a Terezinha Art. “Oitenta por cento do trabalhador, do pescador, do agricultor e do artesão que viviam dessa renda, estão passando por muitas necessidades. Eu sou artesã há mais de trinta anos eu criei famílias com esse trabalho. Mas isso me foi tirado brutalmente de um dia pro outro. A gente está sem nenhuma resposta, nenhum apoio”, suplica. 

“A Fundação só está destruindo ainda mais a vida do povo, com muita embromação, com falta de respeito com idoso, com criança. Somos mais de cem artesãos sem trabalhar, sem renda. Já somos reconhecidos há um ano, mas eles não querem negociar com a gente”, protesta. “Há muitas pessoas em situação de vulnerabilidade. Temo muitas pessoas doentes, com depressão, com problemas de pele, pressão alta, dor de barriga, problemas de rins devido ao metal que tem na água, muitas doenças que não tinham antes que do crime”, denuncia. 

“A Fundação Renova é um arranjo criado à revelia das vítimas do crime pelo governo federal e governos estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais, além das empresas criminosas. Ao mesmo tempo em que gasta com propaganda e inunda de fake news os veículos de comunicação tradicionais do Estado, não consegue explicar como não concluiu sequer o programa de cadastro, o primeiro previsto no seu escopo de ações”, declarou o MAB, em um manifesto público de divulgação do ato. 

“As assessorias técnicas foram pensadas para equilibrar a balança entre atingidos e empresas criminosas, essas já assessoradas pela Fundação Renova e o aparato técnico que esta mobiliza. As assessorias técnicas deveriam capacitar e qualificar os atingidos para a participação nos programas e da governança da Fundação”, explica o MAB. 

“A Renova tem à sua disposição centenas de técnicos, empresas de consultoria terceirizadas e redes de pesquisadores contratadas com garantia de sigilo e confidencialidade, o que garante que as informações divulgadas sejam somente àquelas do seu interesse, comprometendo a tomada de decisão dos atingidos e do próprio poder público”, expõe o Movimento. 

O MAB reafirmou ainda, nesta data, o pedido de reunião com o governador Renata Casagrande (PSB) e com o conselho curador da Renova, além da contratação imediata das assessorias técnicas, escolhidas há um ano, mas ainda sem contratação por parte da Fundação. “O governador tem se reunido com a Renova e a Samarco, mas ainda não fez uma escuta atenta dos atingidos. Estamos tentando essa reunião desde o início do ano”, diz o militante do MAB João Paulo Lyrio Izoton

Corte Interamericana

Também nesta terça-feira (5), várias entidades e movimentos ingressaram com um caso perante a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA). O objetivo é a condenação do Estado Brasileiro pelas violações de direitos humanos cometidas ao longo da Bacia do Rio Doce. A iniciativa inédita foi uma articulação do Centro de Direitos Humanos e Empresas (HOMA – UFJF), FIAN Brasil, Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), Justiça Global, Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB) e Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

As entidades pedem a condenação do Estado Brasileiro em medidas de não repetição, em medidas reparatórias direcionadas à população atingida pelo rompimento da barragem de Fundão e também ao meio ambiente.  Passados quatro anos desde o crime, poucas medidas de reparação foram efetivamente tomadas para reparar os direitos violados da população que habita a bacia do Rio Doce. O rompimento de uma nova barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho, também demonstra de maneira evidente que o Estado Brasileiro tem falhado no seu dever de fiscalização.

As entidades pedem que o Brasil seja condenado pelas violações ao direito à vida, às garantias processuais e à proteção judicial, à liberdade de associação, ao direito à propriedade privada e coletiva, à igualdade perante a lei e ao direito a uma vida digna, segundo o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Para as entidades, o ingresso deste caso perante o Sistema Interamericano também se relaciona com o desmonte da política ambiental brasileira e seus órgãos de proteção. “O óleo que se alastra pelas praias do Nordeste, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, todos esses episódios não são acidentais, são produto de uma escolha política deliberada que inclui a flexibilização da legislação e a fragilização orçamentária e institucional dos órgãos ambientais”, salienta Melisanda Trentin, coordenadora da Justiça Global.

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