Fotos: Leonardo Sá
Sanuza Motta fala com convicção e firmeza sobre cada uma das ervas, pomadas e fitoterápicos que traz em sua farta banca na Feira da Reforma Agrária em Vitória. Aroeira, tansagem, copaíba, moringa, chapéu de couro, canela de velho, jatobá, gengibre, são algumas das plantas que ela utiliza. Com propriedade explica os benefícios e forma de uso de cada uma ou de suas combinações.
Desde 2013, ela vem desenvolvendo mais firmemente seu projeto voltado para saúde a partir do uso das plantas medicinais, cultivadas na terra familiar no Assentamento Zumbi dos Palmares, onde implantaram uma agrofloresta, aliando plantas nativas com outras não nativas que são usadas na alimentação, saúde e outros usos.
Começou fazendo remédios e chás para a própria família e logo oferecendo também para os vizinhos do assentamento quando precisavam, que foram ganhando confiança ao verem os resultados. Sanuza alia conhecimentos científicos com saberes populares, que garante terem muita eficácia.
Antes de começar a produzir de forma mais frequente, adquiriu livros para estudar, realizou curso técnico em Agroecologia e curso de Saúde Ambiental para População do Campo. Ainda acompanha canais no YouTube em que especialistas falam sobre o tema.
Porém, parte do conhecimento vem desde sua infância, quando sua mãe e sua avó preparavam garrafadas, emplastos, xaropes, tudo com base no uso das plantas disponíveis nos territórios para curar as doenças. “Quando criança a gente bebe essas coisas reclamando, não dá muito valor. Mas vamos crescendo e felizmente ganhando maturidade e sabedoria”, diz a agricultora, que considera o trabalho que desenvolve como forma de retomar, rememorar e valorizar o conhecimento de suas ancestrais.
Ela nasceu há 47 anos em Sete Quedas, então município de Linhares, hoje pertencente a Vila Valério. Sua mãe, Maria das Graças, era uma liderança comunitária ligada aos movimentos da Igreja Católica e dos sindicatos de trabalhadores rurais. Quando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) começou a se organizar na região, Maria das Graças foi uma das lideranças. Analfabeta, leva a filha Sanuza desde os 14 anos para ajudar a ler as cartilhas para ela. Quando em 22 de setembro de 1986 – Sanuza não esquece a data- ocorreu a segunda ocupação de terra do MST no Espírito Santo, Maria das Graças levou Sanuza e outro filho para o acampamento, enquanto o pai ficou com os dois irmão mais novos que precisavam ir à escola.
Hoje, com os pais falecidos, três irmãos moram no Assentamento Castro Alves, em Pedro Canário, onde a família conquistou seu pedaço de terra, e Sanuza e outro irmão vivem no Zumbi dos Palmares. “Estamos nesse movimento com muito orgulho e satisfação. Eu costumo afirmar que tudo que eu tenho e sou e sou é função dessa luta”, afirma.
Foi na primeira edição da Feira Estadual da Reforma Agrária, há quatro anos, que ela começou a produzir em maior escala. Sanuza havia sido a primeira a levar para feiras mudas de plantas, que fizeram muito sucesso com o público em Vitória. Na feira, as pessoas diziam que queriam algo mais fácil, já que planta precisa de cuidados e o tempo da cidade nem sempre permite a atenção adequada.
De volta à sua casa, organizou o “Cantinho das Plantas”, num armário onde deixa penduradas as ervas secas desidratadas e também prepara os fitoterápicos que precisam passar em infusão em álcool que pode durar de uma semana a 40 dias para extração dos princípios ativos das plantas. Depois coa e coloca nos fracos menores para venda. Vende em feiras mas também entrega sob encomenda pelos correios ou enviando por algum amigo que está de saída para a cidade. No ano passado, catalogou 68 plantas que utilizava em chás e fitoterápicos, e afirma que número cresceu de lá pra cá.
A ação de Sanuza Motta também tem influenciado no assentamento, quando os vizinhos foram percebendo que ervas que nascem nos terreiros de casa possuem propriedades. “Tudo na natureza tem uma função. Elas não estão aí à toa. Só temos que aprender a valorizar e saber qual a função dela”. Nesse sentido, Sanuza de torna uma espécie de consultora na comunidade, muitos recorrem a ela para saber o que usar e como usar.
Além disso, na varanda de casa, a agricultora ainda criou um espaço para atender aos vizinhos com terapias nas quais se capacitou em reiki, auriculoterapia, reflexologia podal, floral, e biomagnetismo.
Afirma que o trabalho do MST se pauta em princípios éticos. “A reforma agrária popular não é só para mudar nossa vida, mas para pensar a sociedade de maneira integral”, considera, refletindo sobre seu trabalho. “Mas minhas produção não é só para os outros, primeiro tratei a mim, tive muitos problemas de saúde, quando descobri as ervas e terapias vi que dentro de mim também há poder de cura”.
A natureza é sábia, diz Sanuza. Trabalhar a integralidade dela é um dos princípios da agroecologia, que serve de referência para o MST. Ela lembra que na produção de remédios fármacos, extrai-se certos princípios das plantas em laboratório, isolando-os de outros benefícios que a planta poderia trazer para o equilíbrio do corpo. “Na correria da vida, muita gente acha melhor jogar um comprimido na boca do que fazer um chazinho, relaxar e tomar. Eu sugiro que experimente. Nem acredite no que estou falando não, apenas faça uma experiência. Deixe a natureza cuidar de você. Porque quando você entrega, confia, aceita, ela cuida. As plantas cuidam da gente”.
Sanuza jamais recomenda abandonar repentinamente medicamentos fármacos para quem os utiliza, é preciso consultar o médico. Mas oferece outras possibilidades de cuidado com a saúde, não apenas quando a dor ou doença aparecem, mas de forma preventiva, no cotidiano. E alerta: cada organismo reage de maneira diferente. E a saúde vai além dos remédios, é preciso cuidar da alimentação, do que come, bebe e pensa, desintoxicar. Aí as plantas são mais eficazes no cuidado.