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Análise de cabelos de atingidos mostra picos de metais pesados após a lama

Como o próprio Ministério Público Federal (MPF) tem divulgado, por meio dos relatórios produzidos pela consultoria Ramboll, são raros os estudos feitos sobre a saúde dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015. 

Passados quatro anos do maior crime ambiental da história da mineração mundial, ainda não se tem informações abrangentes e atualizadas sobre o estado de saúde das pessoas impactadas pelo tsunami de lama de rejeitos tóxicos de mineração que devastaram mais de 600 quilômetros do leito e margens do Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo, além de todo o litoral capixaba, sul da Bahia e norte do Espírito Santo. 

Um dos poucos estudos nesse sentido, cujos resultados chegaram ao conhecimento dos atingidos e da sociedade em geral – a Ramboll identificou que outros estudos foram feitos, inclusive pela própria Fundação Renova, mas os resultados permanecem desconhecidos – foi realizado por uma equipe da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), da Universidade de São Paulo (USP). A iniciativa foi da Dra. Ana Carolina Cavalheiro Paulelli, que fez seu doutorado em toxicologia sobre o tema, sob orientação do Dr. Fernando Barbosa Junior, professor titular da FCFRP-USP. 

A “Avaliação da exposição a elementos químicos em moradores residentes em áreas atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro em Mariana/MG” coletou, em 2017, amostras de cabelo e urina de 300 voluntários, moradores de comunidades atingidas em Linhares e São Mateus, e detectou que 298 pessoas apresentaram arsênio elevado, 79 mostraram níquel acima do normal e 14 verificaram manganês em excesso. 

As conclusões do estudo foram apresentadas no início de setembro deste ano nas comunidades que participaram, onde cada voluntário recebeu os resultados de seus próprios exames, além de explicações gerais sobre as possíveis consequências na saúde dos elevados níveis de metais e as providências que devem ser exigidas das empresas criminosas e dos serviços de saúde locais. 

Dois meses e meio após essas apresentações públicas, a Dra Ana Carolina aceitou falar diretamente com Século Diário. 

Quais contaminações humanas foram detectadas, além do arsênio?

Além do arsênio encontramos também níveis acima dos valores de referência da nossa população para níquel, bário e manganês. Também foi observado que manganês, um importante nutriente antioxidante do nosso organismo, estava em deficiência em alguns indivíduos.

Como esses resultados se relacionam com problemas de saúde já sentidos na população atingida?

A exposição a quantidades mais altas destes metais está relacionada a problemas na pele, no fígado, rim e distúrbios no sangue. No entanto, algumas destas manifestações clínicas podem aparecer apenas ao longo do tempo. Algumas pessoas (em torno de 40% dos participantes do estudo) relataram sintomas que podem estar relacionados à exposição a estes metais, tais como problemas de pele e mal-estar. Assim, o ideal agora seria avaliar possíveis associações entre exposição e efeito. 

Que medidas devem ser tomadas pelos órgãos de saúde e mesmo pela Câmara Técnica de Saúde do Comitê Interfederativo?

O primeiro passo agora seria diminuir ao máximo a exposição da população, eliminando ou reduzindo a interação do indivíduo com as principais fontes de exposição, ou buscando alternativas para remediação das fontes de contaminação. Para aquelas pessoas que apresentaram valores acima dos de referência, uma avaliação clínica é importante. Com as informações do nosso estudo, os órgãos de saúde locais devem cuidar deste processo. Cabe ressaltar que o constante monitoramento tanto dos que apresentaram valores mais elevados quanto do restante da população é essencial. Isso ajudará no processo de redução do risco.  

Há algum aspecto específico do estudo que você considera um ponto-chave para relacionar mais diretamente os altos níveis de metais no corpo dos atingidos com a lama de rejeitos?

Após a exposição, a maioria dos metais permanece no corpo por um tempo que pode variar de alguns dias a alguns meses e, uma fração é eliminada pela urina ou fezes. Como as coletas foram realizadas bem após o rompimento da barragem, uma das perguntas levantadas foi que sendo a área naturalmente rica em metais no solo, como definiríamos que o rompimento da barragem realmente estaria associado aos níveis encontrados de metais no sangue e urina? Para responder esta pergunta, precisaríamos de uma amostra no corpo que estivesse guardando sem alterações informações da exposição antes, durante e após o ocorrido e que pudesse ser facilmente coletada. Esta amostra existe e é o cabelo, que cresce em média 1 cm ao mês. Um fio de cabelo de 20 cm reflete um tempo de aproximadamente 20 meses na vida de uma pessoa. Assim, segmentos de 1-2 cm de mechas de cabelo maiores que 20 cm foram analisadas em voluntários do sexo feminino. Observamos um pico de concentração de arsênio e manganês associado ao período do rompimento da barragem. Este aumento pode estar associado à alteração da concentração dos metais em água e alimentos ocorridas neste período e consumidos pela população.  

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