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Congo ainda enfrenta intolerância religiosa no Espírito Santo

O que era para ser orgulho do Espírito Santo por ser uma manifestação de cultura popular única do mundo, o congo ainda sofre com inúmeras manifestações de preconceito nas comunidades onde existe, com suas bandas e festejos, que se iniciam ao fim de cada ano.

Não é coisa nova, como não poderia ser num país construído com base no racismo, em que qualquer manifestação da cultura de origem afrobrasileira é associada a coisas negativas pelas mentes mais conservadoras, mais ainda se tiverem tambores. O que é de espantar é que isso persista em pleno século 21.

Mestres e congueiros possuem relatos que demonstram que a intolerância religiosa ofende também o congo, embora esta seja uma manifestação que inclusive extrapola o âmbito religioso. Um mestre chegou a ter que judicializar o caso de um conflito com um vizinho, que o fez até mudar de residência.

Embora casos extremos sejam mais raros nos dias de hoje, ainda ocorrem com frequência pequenos incidentes que demonstram que certos preconceitos religiosos ainda afetam a manifestação que acontece em diversos municípios do Estado.

Pelos tambores e cantos, o congo costuma ser confundido com celebrações como as da umbanda e candomblé, religiões de matriz africana no Brasil. Até aí, nenhum problema, bastaria uma breve explicação para diferenciar os tipos de manifestação, já que o congo é uma celebração de cultura popular em louvor a São Benedito, como um pagamento ao Santo Preto iniciado por um grupo de negros escravizados que teria sobrevivido a um naufrágio no litoral capixaba ao se agarrar no mastro do barco e fazer uma promessa a ele. À influência afro soma-se também elementos da cultura indígena.

Há bandas de congo que possuem católicos, espíritas, evangélicos, umbandistas, candomblecistas, ateus, ou de outras denominações. Isso não é problemas para muitos, já que o congo se vincula ao território e à comunidade em que se pratica, como expressão e manutenção de uma cultura tradicional. Porém, os congueiros muitas vezes ainda são vistos, taxados e chamados de “macumbeiros”, termo pejorativo usado contra religiões de matriz africana.

É a mesma associação que enxerga os ritos ancestralmente cultuados e celebrados pelos negros como “magia negra”, “coisa do capeta”, sendo que a figura do demônio sequer existe nessas manifestações, já que tem origem nas crenças cristãs. 

Mas os olhares atravessados de julgamento e comentários de reprovação continuam existindo em muitos locais em que o congo se apresenta, fruto do desconhecimento. Já houve casos de ações em escolas em que crianças e jovens pediram para sair da sala ou deixaram de participar de oficinas de produção de instrumentos após os pais, evangélicos, afirmarem ser uma manifestação demoníaca.

Mestre Vitalino, cujas casacas produzidas já rodaram o mundo levando o nome do Espírito Santo, também já vivenciou experiências de intolerância com vizinhos na Barra do Jucu, quando deixa seus instrumentos expostos secando ao sol. “Uma cultura deste tamanho, com tantos grupos no Espírito Santo e ainda existe gente pensando desta maneira”, lamenta Beatriz dos Santos Rêgo, coordenadora da Banda de Congo Mestre Honório.

Filha do mestre Daniel e regente do grupo, ela lembra que quando vivo, Honório fez um esforço de separar os cantos mais ligados a práticas de terreiro do repertório, justamente para evitar o preconceito e mostrar a diferença entre as manifestações. 

“O congo é o ar que eu respiro. É minha vida, meu projeto de vida até eu morrer. Enquanto eu existir vou continuar nele”, diz Beatriz, que participa há 30 anos dos festejos. Neta de congueiros de Cariacica, aderiu ao grupo em Vila Velha ao ver que a cultura estava ficando restrita aos mais idosos e poderia acabar se os jovens não se envolvessem.

Tinha receio com os excessos etílicos nas bandas, que aos poucos foram controlados, mas também fazem parte dos festejos e podem ser parte da motivação dos preconceitos. Festa, bebida, tambores, cantoria, gente na rua. Sempre houve quem se incomodasse, ainda mais se isso tiver origem no povo negro. Beatriz entende que desde que começou no congo, as coisas na verdade têm melhorado aos poucos e o preconceito diminui. Mas ainda existe. O que é inaceitável. “Gostando ou não, tem que ter respeito”, exige.

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