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Livro homenageia Stenka do Amaral Calado, um dos fundadores de Século Diário

O livro CALADO! A reportagem do caso Jaime Calado, jornalista e líder popular assassinado por integralistas em Fortaleza é uma obra póstuma escrita por seu filho, Stenka do Amaral Calado, e lançada na última semana no Rio de Janeiro, em alusão aos 70 anos da morte de Jaime, considerado um mártir comunista brasileiro. 

Stenka é um dos fundadores de Século Diário e de sua precursora, a saudosa Revista Século, ambos nascidos no ano de 2000 pelas mãos dos também jornalistas Rogério Medeiros e José Maria Batista.

O livro foi organizado pelos filhos de Stenka, Vladimir, Ricardo, Nadedja e Yuri, como uma forma de homenagear pai e avô, ambos jornalistas, militantes políticos, heróis da construção de um país mais democrático, justo, livre e alegre. 

O conteúdo tem por base uma farta pesquisa feita por Stenka com foco na Comissão da Verdade nos idos de 2007 sobre o assassinato político de Jaime, crime ocorrido em 29 de julho de 1949 e que passou a integrar, sete anos depois, o calendário oficial do PCB, como um dos últimos acontecimentos inseridos na efeméride do Partidão. 

Falecido em 2012 vítima de um câncer de pulmão, Stenka não conseguiu publicar em vida o material. Tarefa que foi assumida pelos quatro herdeiros. A organização do material inclui memórias de Stenka e de seus irmãos, depoimentos de companheiros de luta de Jaime e o acompanhamento da cobertura dada ao crime pela imprensa de Fortaleza, sobretudo pelo Jornal do Ceará, combativo órgão de imprensa da mesma empresa do jornal O Democrata, onde Jaime trabalhava.

“Histórias incríveis sobre o pai e suas memórias sobre a tragédia familiar e a saga da família para se reconstruir depois do episódio, vindo do Ceará para o Rio de Janeiro, nos anos 50”, assinalam os filhos de Stenka. 

A obra, ressaltam os organizadores, traz também recortes do jornal A Voz Operária, ligado ao Partidão, que demonstram a importância de sua militância e seu martírio, exaltando ao longo dos anos, em artigos de Prestes e em diversas matérias e artigos e citações no jornal ao longo da década de 1950.

Esses recortes, destacam, apresentam um resumo biográfico de sua vida como militante e fazem grande reverência ao pai de Jaime, Clementino Guimarães, considerado um dos heróis da Intentona de 35, perseguido, preso e torturado várias vezes, o que debilitou sua saúde, levando à sua morte.

“Um documento importante do autoritarismo, da violência de Estado e Pára-Estatal, da impunidade e do conluio de autoridades políticas, policiais e da mídia no apoio a políticas de repressão política, violenta e antidemocrática. Obra que toma ainda mais destaque dentro do cenário atual do Brasil, em pleno 2019, com o retorno do autoritarismo permeando diversas camadas da sociedade brasileira”, afirmam os filhos e produtores.

Ruschi e o Espírito Santo

O maior período de residência de Stenka no Espírito Santo, entre 2000 e 2012, é contada por Vlad Calado, designer, músico e compositor, idealizador e produtor do projeto Jaime Calado, Presente!. Foi uma estadia que proporcionou boa qualidade de vida para o pai, recorda Vlad, dando-lhe também a oportunidade de acompanhar o crescimento da filha mais nova, Nadedja, que viria a se formar jornalista pouco depois da morte do pai. 

A relação com a realidade capixaba, no entanto, teve início bem antes, na década de 1970, quando Stenka trabalhava em O Estado de S. Paulo e foi designado para avaliar o então candidato a uma vaga de repórter especial no jornal paulista, Rogério Medeiros. 

Sobre esse grande encontro, é pertinente transcrever algumas palavras escritas pelo próprio Stenka na Introdução do livro Ruschi, o agitador ecológico, de Rogério Medeiros, lançado em 1995 com prefácio de Fernando Gabeira. 

Intitulado O repórter de Ruschi, o texto menciona o verão de 1974, quando os dois grandes jornalistas se conheceram, numa viagem de Vitória até Santa Teresa de Augusto Ruschi. O motivo era o desejo do Estadão de renovar seu quadro de correspondentes e decidia iniciar esse esforço pelo Espírito Santo. 

“É que ali se desenvolviam projetos de industrialização tão ousados quanto desastrosos para o meio ambiente – um prato farto e de excelente paladar para o apetite oposicionista dos editores, submetidos pelos militares a um monstruoso processo de censura prévia que os obrigava a substituir artigos e notícias por poesias e receitas culinárias”, contextualiza Stenka.

No relatório que fez para a direção do jornal, recomendando a contratação de Rogério, conta, “destaquei o fato de que, além das qualidades exigidas para sua efetivação – caráter, coragem, honestidade e competência – sobressaía no profissional esta, pessoal e intransferível: lealdade – era absolutamente confiável para suas fontes. Notadamente para a principal fonte de informações de que o jornal passaria dispor quando julgasse necessário denunciar os crimes ecológicos da ditadura no Espírito Santo. E esta era uma necessidade premente naqueles duros tempos”, narra, encerrando o texto afirmando ser Rogério o “melhor repórter que conheci em mais de 30 anos de profissão: o repórter de Ruschi”.

Iniciava-se assim uma amizade e parceria que duraria quase 40 anos entre Stenka e Rogério, este, “seu grande parceiro de vida e de jornalismo”, sublinha Vald no capítulo Perfil do autor

Após o episódio de Ruschi, Stenka viria a residir no Estado nos anos 1980, trabalhando na campanha vitoriosa do petista Vitor Buaiz contra o Cabo Camata. Atuando na imprensa nacional, Stenka organizou um manifesto que teve apoio de celebridades como Chico Buarque e Frei Beto, ajudando a eleger o petista. 

Finalmente, nos anos 2000, a fundação de Século. “O jornal é um combativo veículo independente. Lá pôde exercitar o que mais amava: a luta por meio do jornalismo”, conta Vlad, no livro. “Tudo começou na revista, que durante três anos circulou no Espirito Santo, com 60 páginas de conteúdo profundo, reportagens e artigos excelentes que realmente mapearam o estado na virada do século, mostrando um vasto panorama cultural, político e social”, descreve. 

“Inicialmente na revista, e depois continuando com o jornal diário, travou batalhas com as grandes empresas poluidoras do ES, como a Vale, a Aracruz Celulose e a Samarco. Também contra a direita capixaba e com grande ênfase na oposição a Paulo Hartung e seu grupo político. Por fim, resolveu encarar a banda podre da Justiça Capixaba, o que rendeu muito sucesso com seu livro Um Novo Espirito Santo – Onde a Corrupção Veste Toga, denunciando os abusos, corrupção e nepotismo no Tribunal de Justiça e a promiscuidade com políticos de atuação duvidosa”, conta.

Somente nos últimos meses de vida, em 2012, Stenka voltaria ao Rio de Janeiro, onde faleceu. “Uma perda lastimável, registrada pelo Jornal da ABI [Associação Brasileira de Imprensa], no site Observatório da Imprensa e outros veículos”, cita Vlad. 

“Para mim, foi um professor, um mestre, com quem convivi e trabalhei, de quem aprendi muito e também ganhei o espirito crítico para avaliar e evitar os seus erros”, declara. “No leito de morte, ele me disse: ‘Meu pai morreu como herói. Eu não fiz nada, não sou herói de porra nenhuma’. Respondi: ‘Você se engana. Foi sim um grande herói, que lutou suas lutas e sobreviveu para criar seus quatro filhos e nos dar o amor que infelizmente o Jaime não pode dar mais para você e seus irmãos’. Obrigado jornalista Stenka. Obrigado, meu pai”.

Jaime Calado, Presente!

O evento de lançamento, Jaime Calado, Presente!, na Casa de Luzia, no Rio de Janeiro, contou com mesa-redonda composta por familiares de mortos e desaparecidos políticos e um debate sobre violência de Estado, impunidade e o crescimento do autoritarismo no Brasil e na América Latina, em que participaram Claudia Vitalino, Lindbergh Farias, Luiza Mirian Ribeiro, Andrea Prestes Massena, Andrea Matos e Marat Calado (irmão de Stenka). 

Também uma exposição sobre a memória de Stenka e Jaime, e exibição de um recital-documentário produzido por Ricardo Calado, que acompanhou a exibição tocando seu contrabaixo ao vivo. O documentário relaciona a trajetória de Jaime e Stenka e fatos políticos do Brasil, incluindo com os acontecimentos bizarros da política brasileira nos últimos anos, o Golpe, a ascensão do autoritarismo, a morte de Marielle e a eleição manipulada de Jair Bolsonaro. 

A noite se encerrou com show de Vlad Calado e convidados, cantando músicas de sua autoria e também composições de seu pai, Stenka, que entre outras “aventuras” musicais, foi parceiro de Lenine e Mu Chebabi, no sambado Suvaco do Cristo, de 1988. Vlad tocou música políticas, composições inspiradas pelos tristes acontecimentos recentes da nossa história política, mas também relembrou músicas de compositores como Paulo César Pinheiro, Candeia e Caetano Veloso. 

O livro está à venda no site da editora Arquimedes

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