Com pandemia, arquitetos e urbanistas reforçam necessidade da assistência técnica para moradias populares
Em tempos de pandemia da Covid-19, entra em evidência a questão das condições das habitações em zonas periféricas, que muitas vezes possuem condições favoráveis para a propagação do vírus. A questão não é nova para profissionais da área. O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES) há tempos pauta a necessidade de políticas públicas que possam dar suporte às pessoas e famílias que vivem em condições mais precárias.
“É importante que o arquiteto e o urbanista estejam no planejamento das áreas mais carentes, à disposição para auxiliar nessas construções feitas de forma mais informal, que podem ter aspectos de insalubridade”, diz Liane Destefani, presidente do CAU-ES. Ela cita como problemas comuns nesse tipo de construção a falta de ventilação, iluminação e entrada de sol, o que aumenta a possibilidade de problemas ocasionados por fungos, bactérias e vírus, agravados pelo fato de que é comum que haja muitas pessoas e também animais domésticos convivendo no mesmo espaço.
Infiltrações no solo e também no teto e falta de reboco são fatores que também podem afetar a estrutura da construção, ocasionando possíveis acidentes. “O dinheiro para construir e a mão de obra, as pessoas até já têm, mas a assistência técnica poderia ajudar a construir da maneira correta”, aponta. O que se vem discutindo a nível nacional é a necessidade de estruturar-se um plano de Assistência Técnica em Habitações de Interesse Social (ATHIS), juntamente com a melhoria das condições de saneamento e saúde da população.
As assistências técnicas podem ser organizadas de diferentes maneiras, a partir de ONGs, escritórios, profissionais autônomos, projetos de extensão universitária, associações, cooperativa, ou pelo próprio poder público.
Repensar a cidade do ponto de vista do urbanismo envolve alguns desafios. Um deles é justamente garantir habitações dignas para quem não as têm, como pessoas em situação de rua, que vivem em ambientes insalubres ou com excesso de pessoas. Mas para isso, Liane alerta que não basta a assessoria, mas também uma política pública para disponibilizar espaço para habitações e educação social para a convivência.
Muitos arquitetos e urbanistas criticam os modelos que prezaram por construir novos bairros muito afastados dos centros urbanos, que implicam longo de tempo de transporte e também o estabelecimento de serviços públicos como água, energia, saneamento e comércios, que muitas vezes são precários.
Outra questão importante se refere a reformar espaços já existentes com apoio dos profissionais. “As comunidades são muito vivas, se renovam o tempo todo, fazem reformas, ampliam. Sem o auxílio de profissionais, isso pode se tornar um perigo”, alerta a presidente do CAU/ES. Além disso, Liane enxerga a necessidade de regularização de terrenos e imóveis onde as pessoas vivem a partir de ocupações não planejadas pelo Estado, juntamente com a melhoria das condições sanitárias do entorno.
O site athis.org.br apresenta uma série de informações e experiências bem sucedidas realizadas pelo Brasil com apoio das ATHIS, por meio de trabalhos de profissionais em diálogo com as comunidades e moradores.
Mas nem é preciso ir tão longe para encontrar bons exemplos. O Projeto Terra, iniciado nos anos 90 na região da Grande São Pedro, construída sobre o manguezal de Vitória, é considerado uma experiência de sucesso em termos de urbanização e adequação de moradias, com intervenções de infraestrutura, serviços urbanos e geração de renda. Depois transformado em programa, também atua junto às comunidades situadas em morros e encostas.
A realidade da maioria dos municípios, porém, não é a mesma da Capital. A reivindicação dos CAU estaduais e nacional é pela criação de um fundo federal para financiar projetos nos municípios, já que nem todos contam com recursos, e o fundo serviria de estímulo para implantação dessas políticas. Mas o momento da política nacional de destruição das políticas sociais parece pouco favorável.
Apesar da falta de uma política nacional, o Distrito Federal e os estados do Sul do país têm sido os que mais avançam nas políticas públicas para consolidar o apoio às moradias populares. “Em primeiro lugar, falta conscientização política de que isso é necessário, que a habitação não é uma questão secundária, é uma questão tão séria quanto a saúde, tem que ser vista como prioritária. Em segundo, falta vontade política dos governantes para que os projetos saiam do papel”, cobra Liane Destefani.
Diante da crise do novo coronavírus, fica mais evidente a importância e urgência da melhoria das condições de moradia, que configuram um direito fundamental, mas também uma questão de saúde pública.