A reabertura do comércio em todo o Espírito Santo prevista para a próxima segunda-feira (4) tem sido questionada por cientistas e pela sociedade civil organizada. O economista e professor aposentado da Universidade Federal do Estado (Ufes), Arlindo Villaschi, destaca que em nenhum lugar do mundo a reabertura baseada no Mapa de Risco da pandemia da Covid-19 deu certo e que essa iniciativa não vai salvar o setor. Ele defende que é momento dos movimentos sociais, sindicatos, igrejas e outros grupos se organizarem para exigir do governador Renato Casagrande (PSB) que o comércio permaneça fechado.
Arlindo Villaschi explica que atribuir a crise econômica única e exclusivamente a não abertura do comércio por causa da pandemia é uma falácia. “Antes mesmo da pandemia o comércio já estava fechando as portas. Por que o Espírito Santo em Ação, que tem pressionado o governo para reabertura do comércio, não reclamou da crise econômica antes? Por que não defenderam os pequeno, micro e médio empresários antes?”, questiona.
Ele aponta que, para recuperar a economia, é precisar repensar medidas adotadas no período pré-pandemia, chamado de “tempos normais”, como denomina em tom irônico. Entre elas, a falta de apoio às micro, pequenas e médias empresas em todos os setores, grandes exportações de commodities e a falta de investimento na agricultura familiar.
Para Arlindo, as vítimas da reabertura do comércio serão “os mais carentes, os mais marginalizados, a população de rua, os trabalhadores precarizados, aqueles que precisam utilizar o transporte público, os idosos, principalmente os que moram em habitações precárias nas periferias; os que irão encontrar o sistema de saúde mais lotado do que sempre foi”.
Outro questionamento feito pelo economista é sobre o mapeamento de risco ser baseado em limite de município, o que, segundo ele, é sofrível. “Santa Leopoldina não é área de risco, mas basta atravessar uma pinguela para chegar em Cariacica, que é. Tem que ter espírito crítico em relação a isso”, aponta.
Também em relação ao Mapa, a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pós-doutora em Epidemiologia, Ethel Maciel, explica que é preciso de pelo menos mais 15 dias para avaliar a eficácia da estratégia.
Segundo Ethel, a estratégia diante do atual Mapa de Risco é a realização de barreiras sanitárias. Contudo, é preciso avaliar se estão funcionando, pois “a vida real impõe limites à estratégia” e pode haver diferenças entre o que foi planejado e o que de fato ocorreu.
“A realidade de municípios com poucos casos de Covid-19 pode ter mudado diante do deslocamento das pessoas entre uma cidade e outra. Se no município ‘A’ não tinha casos e depois apareceu mais, precisamos coletar informações. Para nós, pesquisadores, isso pode ser um alerta de que a barreira não está funcionando”, aponta.
A pesquisadora faz críticas à afirmação do Governo do Estado de que diante do aumento no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é possível fazer a reabertura do comércio com medidas de prevenção. “Vemos no Brasil e no resto do mundo que o fato de estar internado não garante sobrevivência de ninguém. Todos os mortos por Covid registrados no Espírito Santo foram internados, tiveram assistência. Melhor forma de prevenção é não entrar em contato com o vírus, é o isolamento social”, defende.
Subnotificação no comércio
Nessa terça-feira (28) o supermercado Extraplus, na Praia da Costa, em Vila Velha, foi interditado pela Superintendência Regional do Trabalho devido à ausência de adoção de práticas de prevenção ao coronavírus. O estabelecimento tem 22 funcionários afastados por confirmação e suspeita de Covid-19.
Segundo o presidente do Sindicato dos Comerciários do Espírito Santo (Sindicomerciários), Rodrigo Rocha, a falta de monitoramento por parte do poder público causa subnotificação de casos no setor.
O sindicalista aponta que tem caso de trabalhador infectado no supermercado Casagrande de Linhares, norte do Estado, no Ok do Shopping Moxuara, em Cariacica, e suspeitas em supermercados de Nova Venécia e Colatina.
Rodrigo acredita que se houvesse monitoramento, o número de casos detectados seria maior tanto em trabalhadores de estabelecimentos comerciais, que são representados pelo Sindicomerciários, quanto os de estabelecimentos como padarias e farmácias.
Ele defende que o poder público deveria monitorar todos serviços que considera essenciais, não somente a saúde. “Se houver reabertura, quem vai fiscalizar? Se com o atual decreto a fiscalização já é deficiente, imagina se reabrir o comércio?”, questiona.
Há preocupação principalmente com os shoppings, por, apesar de serem espaços amplos, são fechados, com ventilação artificial e de aglomeração. “Se a reabertura for total, as medidas de prevenção e fiscalização deverão ser muito rígidas”, afirma.