Relação com o rejeito de minérios da Samarco/Vale-BHP é estudada pelo Projeto Tamar
Uma inflamação ocular até então inédita no Brasil está acometendo as tartarugas marinhas que desovam e se alimentam na foz do Rio Doce. Chamada de blefarite, a doença começou a aparecer nas fêmeas e filhotes que visitam as praias da região da Reserva Biológica de Comboios, em Regência, litoral de Linhares, no norte do Estado, pouco depois que os rejeitos de minério da Samarco/Vale-BHP, chegaram à região após o rompimento da Barragem de Fundão, em cinco de novembro de 2015.
O pesquisador Eduardo Muhlen, da Fundação Pró-Tamar no Espírito Santo, explica que ainda não foi feita uma relação direta entre os rejeitos de minério e a inflamação, devido ao fato de as tartarugas marinhas serem “animais com ciclo de vida longo e complexo” e que, portanto, “quaisquer conclusões a respeito de tendências populacionais e efeitos de impactos devem envolver uma longa série histórica de dados”. Com o decorrer deste monitoramento, disse, “cremos que será possível responder a estas perguntas com maior propriedade”.
Por ora o que se sabe é que “essa inflamação ocular nunca havia sido observada e não é em nenhum outro estado ou área com desovas de tartarugas marinhas”, ressalta o oceanógrafo Joca Thomé, coordenador nacional do Centro Tamar do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Centro Tamar/ICMBio), também sediado no Espírito Santo.
Os indivíduos que apresentam a blefarite estão tendo material de análise coletado e enviado para o Instituto Marcos Daniel, em Vitória, entidade responsável pela pesquisa voltada a identificar se há algum agente etiológico – vírus, bactéria ou fungo – causando a inflamação.
Mas uma outra possibilidade, explica a médica-veterinária Cecilia Baptistotte, analista ambiental do Centro Tamar/ICMBio, é que o problema tenha uma causa mais mecânica ao invés de etiológica, afetando as tartarugas que permanecem por mais tempo na região, em contato prolongado com a água contaminada com rejeitos de mineração. “O contato com muito sedimento poderia ser a causa da irritação”, diz.
Menos filhotes
Além da inédita inflamação ocular, os pesquisadores do Projeto Tamar também observaram sensível alteração no perfil das praias de Comboios e diminuição das taxas de eclosão de ovos depositados pelas fêmeas na região.
A “notável mudança no perfil de praias, principalmente no entorno da foz do Rio Doce (praias de Comboios e Povoação)”, é a questão que hoje mais chama atenção dos pesquisadores. “Em certos trechos destas praias, que são as principais áreas de reprodução no litoral do Estado, o mar tem avançado em direção às áreas de restinga de uma forma inesperada, acarretando numa diminuição da faixa de praia e diminuindo assim as áreas disponíveis para desova. Além disso, este avanço da maré tem ocasionado uma perda um pouco maior de ninhos pela ação do mar”, relata Eduardo.
Essas mudanças constatadas nas praias, ressalta Joca, pode estar mudando a temperatura da areia e causando a redução da taxa de eclosão dos ovos. “As alterações de perfil da praia são fatos mostrados pela Rede Rio Doce Mar como consequência da lama”, afirma, “mas os efeitos dessa alteração física nos organismos ainda precisam ser verificados”, aponta. “Só mais pesquisas para comprovar”, pondera.
Sítio reprodutivos
O Espirito Santo se mantém como uma área de alta relevância para a conservação das cinco espécies de tartarugas marinhas que desovam no Brasil, sendo um dos principais sítios reprodutivos da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e o maior ponto de desovas da tartaruga-gigante (Dermochelys coriácea) no País.