Aloízio Falqueto, do Departamento de Medicina da Ufes, disse que circulação de ambulâncias é “encenação” e que pico já chegou
Um vídeo que começou a circular nas redes sociais nesta segunda-feira (4), no qual o médico e professor do Departamento de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Aloízio Falqueto, garante que não existem provas científicas de que o isolamento total impede a transmissão do coronavírus, tem causado indignação e pedidos de um posicionamento mais incisivo da universidade. A afirmação foi feita em um ato público pela reabertura do comércio e pró-Bolsonaro convocado pelos movimentos de direita do Estado, realizado nesse domingo (3), na Prainha, em Vila Velha.
De cima de um trio elétrico, Falqueto disse que “essa é a verdade e ponto final”, e ainda que a circulação de ambulâncias no município em socorro aos infectados pela Covid-19 é um “teatro”, “encenação” e “desfile político”. Também defendeu o uso de hidroxicloroquina e que, ao contrário do que a mídia divulga, “já chegamos ao topo da pandemia, agora vai descer ladeira abaixo”.
O professor do Departamento de Filosofia da Ufes, Maurício Abdalla, é uma das pessoas que acreditam que a instituição de ensino deveria se posicionar de maneira mais explícita sobre as declarações. A nota divulgada nesta segunda pela Administração Central da Universidade foi considerada genérica por Maurício, pois nem ao menos cita o nome de Aloízio Falqueto.
Maurício explica que uma nota indireta perde capacidade de esclarecimento, de contraposição à fala do médico, já que esta foi feita em um vídeo, em linguagem popular. Assim, segundo Maurício, acaba tendo mais capilaridade nas mídias sociais do que a nota. Ele acrescenta que o fato de o posicionamento da Ufes ser indireto pode gerar questionamentos em relação a sobre a qual situação, de fato, a universidade está se referindo.
Na nota, a Ufes declara que “diante de informações inverídicas e sem amparo científico que circulam nas redes sociais”, reitera sua “posição em defesa do isolamento social como medida para preservar vidas e proteger a população contra a disseminação do novo coronavírus”.
A instituição de ensino também afirma lamentar que “o nome da Universidade seja usado para disseminar inverdades e tumultuar o já sensível processo de gestão de uma pandemia que ameaça a vida das pessoas e a economia de diversas nações”. Além disso, destaca que as decisões da universidade, como a suspensão das aulas, são “amparadas em fontes científicas que gozam de credibilidade e nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das autoridades estaduais e municipais”.
Em um texto publicado nas redes sociais, Maurício destaca uma das falas do médico, que no vídeo afirmou que a movimentação de ambulâncias nas ruas de Vila Velha em socorro às vítimas da Covid-19 não passa de “encenação”. Para o professor do Departamento de Filosofia, ao fazer essas afirmações ,Aloízio “acusa indiretamente a universidade de participar de uma simulação de pandemia e de tomar atitude equivocada, infundada e leviana”, já que a Ufes está desde março com atividades suspensas em decorrência da pandemia.
Maurício destaca que a suspensão das aulas está amparada em recomendações de especialistas do mundo inteiro, de dezenas de pesquisadores e professores da própria universidade, em protocolos da OMS e no decreto estadual. Ele acrescenta que, como a fala foi em um ato político, e não em um simpósio acadêmico, significa que para Aloízio a Reitoria “estaria fazendo parte de um complô político contra qualquer coisa que os manifestantes possam imaginar”, cabendo a ela “responder à altura e com vigor”.
Para o professor, Aloízio Falqueto teve uma atitude irresponsável por parte de um profissional de saúde ligado à instituição. “Amparado na autoridade que o serviço público lhe investe e no reconhecido e respeitado nome de nossa universidade, o professor convocou o povo a burlar regras de contenção de uma pandemia que está matando milhares de pessoas”, destacou Maurício.
‘Não precisa ser muito cientista para contrapor’
O professor do Departamento de Matemática da Ufes e integrante da Sala de Situação de Emergência em Saúde Pública do Governo do Estado, Etereldes Gonçalves Júnior, aponta que as afirmações do médico e professor Aloízio Falqueto não têm lógica, não precisando “ser muito cientista para contrapor”. “Ele disse que não há evidências de que o isolamento faz diferença na propagação, mas ao mesmo tempo defende o isolamento vertical. Se, para ele, o isolamento não serve, para que adotar o isolamento vertical?”, questiona.
Etereldes contrapõe Aloízio Falqueto e enfatiza que o isolamento reduz a interação social, fazendo com que a velocidade da infecção diminua. “É bobagem dizer que o isolamento vertical funciona. Utilizaram essa estratégia na Itália e na Suécia, mas não deu certo. Não há nenhuma evidência no mundo que corrobore com isso”, conta Etereldes, que aponta a reabertura do shopping em Blumenau, Santa Catarina, como um dos exemplos de aumento de interação e consequente aumento da velocidade de transmissão do vírus.
Segundo Etereldes, se a interação social aumentar em 10%, diante da taxa de letalidade do Espírito Santo, que é de cerca de 3%, as mortes podem aumentar em 30%. Caso o Espírito Santo chegue a uma taxa de letalidade de 7%, que é a nacional, as mortes podem se elevar em 90%.
Ele informa que os pesquisadores da Sala de Situação irão analisar dados para estudar o impacto das aglomerações no aumento do contágio em diversas localidades do Espírito Santo, possibilitando ações específicas para determinados lugares, como intensificação das ações de conscientização. Os dados serão três, segundo o pesquisador. Um é a partir das denúncias de aglomeração feitas por populares para a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp).
A segunda fonte de dados é baseada na circulação por aparelho de celular. Para isso, os pesquisadores contarão com auxílio das empresas de telefonia, que irão informar em quais locais houve maior aumento de circulação, desde a pré-pandemia até a atualidade. A terceira fonte de dados é georreferenciamento, ou seja, os locais onde estão concentrados os casos.