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Comunidade acadêmica contesta realização de atividades não presenciais no Ifes

O modelo não presencial foi aprovado em reunião virtual do Conselho Superior 

Em reunião virtual do Conselho Superior do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), nessa quarta-feira (6), foi aprovada a realização de atividades não presenciais na instituição de ensino durante a pandemia do coronavírus. Cada um dos campi deve decidir os meios adequados para que as aulas possam ser desenvolvidas, como aponta documento que validou o novo modelo.

Segundo a professora do Ifes, Patrícia Soares de Andrade, a decisão exclui estudantes que não têm acesso à internet, ou quando tem, é em equipamentos inadequados, como celulares. Para ela, a realização das atividades não presenciais pode fazer até com que os estudantes tenham que quebrar o isolamento social, já que muitos terão que se deslocar para áreas com acesso à internet ou para locais onde possam utilizar equipamentos de maior qualidade.


O mesmo pode acontecer com trabalhadores técnico-administrativos do Ifes, pois terão que ir até uma agência enviar o conteúdo das disciplinas via Correios, o que prejudica tanto os servidores como os alunos, pois o material pode chegar com atraso. A professora relata, ainda, que os docentes terão que adaptar para as atividades à distância o conteúdo das disciplinas, elaborado para aulas presenciais. 
“O Ifes está realizando um curso de 60 horas para os professores fazerem a adaptação do conteúdo presencial para não presencial, mas o próprio instrutor falou que seriam necessários dois meses de curso”, diz.

O diretor do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), Thalismar Matias Gonçalves, destaca que a alteração do cotidiano de alunos e docentes também inviabiliza a qualidade das aulas. 

“Temos alunos e professores com filhos em casa, alunos que têm idoso em casa para cuidar, que não têm quarto com privacidade para estudar”, relata. Os estudantes, em um perfil criado no Instagram, chamado Ifes Contra a Ead, afirmam que as atividades à distância em cursos presenciais aumentam a desigualdade no ensino e promovem sua elitização.

Fóruns e núcleos se manifestam

O Fórum de Gestão Pedagógica (FGP) denunciou, por meio de nota, o fato de que a construção do documento aprovado na reunião dessa quarta-feira não contou com sua participação. O Fórum destaca, ainda, a falta de participação da comunidade acadêmica em todas as esferas, ou seja, pais ou responsáveis, discentes, técnico administrativos e docentes. 
Por meio de um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o FGP aponta o cenário de exclusão digital no Espírito Santo, que pode impedir o acesso dos estudantes ao conteúdo das disciplinas. Segundo o IBGE, em 2015, no Estado, entre as pessoas com rendimento mensal domiciliar de até 10 salários mínimos 44,19% não tinham computador em casa. 
De acordo com essa mesma pesquisa, entre os que têm computador em casa, ou seja, 55,81%, 13,36% não possuem acesso à internet. Para os integrantes do Fórum, essa realidade não pode ser desconsiderada pelo Ifes, pois em virtude da Lei de Cotas, de 2012, a instituição de ensino tem ampliado seus serviços para o público de baixa renda, “que apresenta necessidades pedagógicas e socioeconômicas específicas”.
Essa ampliação é perceptível, como mostra a nota do FGP, nos dados da Plataforma Nilo Peçanha (PNP). Os números apontam que, no Ifes, 47,25%, ou seja, 13,9 mil alunos matriculados nos cursos presenciais de graduação e técnico de nível médio têm renda familiar per capita de até 1,5 salários mínimos. 
O Fórum dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Foneabi) também se manifestou contra as atividades à distância em cursos presenciais. Assim como o FGP, o Foneabi afirma que não foi consultado para a construção do documento, apesar de ser um órgão de assessoramento de caráter especializado e consultivo, tendo como alguns de seus objetivos se manifestar junto à Pró-Reitoria de Ensino (Proen) em relação à proposição e revisão de projetos, diretrizes, regulamentos, resoluções e demais documentos referentes à área da Educação para as Relações Étnico-Raciais e Racismo, além de fomentar interlocução com os movimentos sociais e estudantis, como centros acadêmicos, grêmios e coletivos. 
O Núcleo de Estudo e Pesquisa em Gênero e Sexualidade do Ifes atenta para a necessidade de se levar em consideração as questões de gênero na tomada de decisões sobre atividades não presenciais. O grupo destaca a sobrecarga de trabalho das mulheres, advinda da divisão sexual do trabalho, já que, segundo a Pnad Contínua de 2016, atividades como a produção de bens para o próprio consumo e afazeres domésticos ocupam em média 50% a mais do tempo das mulheres do que dos homens. 
A realidade de sobrecarga de trabalho entre as mulheres se agrava ainda mais em época de pandemia, visto que, segundo o núcleo, as mulheres atuam mais ou quase que exclusivamente no auxílio às atividades educacionais dos filhos se comparado aos homens. Como no atual contexto, de suspensão das aulas nas redes de ensino infantil, fundamental e médio.
Outro ponto destacado é que a violência doméstica pode aumentar em período de isolamento, bem como as agressões as quais a comunidade LGBTI+ estão submetidas. Diante do exposto, o Núcleo afirma que a não realização de atividades à distância para cursos presenciais vai ao encontro do princípio constitucional da não exclusão e da qualidade do ensino. 
Impactos do isolamento na saúde mental
O Grupo de Trabalho de Psicologia do Ifes, em ofício encaminhado ao reitor, Jadir Péla, destaca os impactos do isolamento social na saúde mental das pessoas por causa da mudança brusca de rotina, adiamento de projetos, afastamento afetivo, estado de medo ante às possibilidades de contaminação, notícias calamitosas e, em alguns casos, perdas concretas de pessoas próximas, entre outros fatores.
Para o grupo, essa realidade deve ser levada em consideração nas decisões e estratégias tomadas pelo Ifes, já que os estudantes podem não conseguir atingir o mesmo ritmo de aprendizagem ou o mesmo nível de comprometimento com as questões estudantis.

Os psicólogos destacam, ainda, que prejuízos na saúde mental de discentes já têm sido evidenciados no acompanhamento psicossocial feito de forma remota. Eles desatacam que situações de sobrecarga, dificuldades de acesso às informações ou orientações, bem como processos de exclusão decorrentes das atividades não presenciais podem agravar ou disparar quadros de adoecimento psíquico e evasão escolar.

Os psicólogos acrescentam que também é necessário levar em consideração a desigualdade de acesso aos meios de comunicação e aos recursos materiais necessários à aprendizagem dos alunos. “Não podemos perder de vista os processos de inclusão que se encontram em construção em nosso instituto, e que ainda apresentam fragilidades, em especial: os discentes público da educação especial, os que se encontram em situação de vulnerabilidade social, os da Educação de Jovens e Adultos, os pretos, pardos e indígenas”, afirma o grupo.

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