Por meio de questionário já encaminhado para professores e alunos, além de um que será enviado para os técnico-administrativos, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) procura conhecer a visão sobre o isolamento social, sua flexibilização e alternativas acadêmicas, como a possibilidade de atividades virtuais para cursos presenciais. Entidades de representação desses grupos já se manifestaram, porém, contrárias às atividades online nos cursos que não são oferecidos na modalidade à distância.
Segundo a diretora de Organização do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Emanuelle Kisse dos Santos Pereira, quando o questionário foi enviado para os alunos, o diretório afirmou que aqueles que não têm acesso à internet fora da universidade não seriam ouvidos na pesquisa. “Se o número de estudantes com acesso à internet for significativo, teríamos que aceitar o ensino à distância em nossos cursos?”, questiona Emanuelle, que afirma não ter obtido respostas concretas quanto à questão.
Ela afirma que é nítida a tentativa de levantamento de dados cujas respostas “serão reduzidas a um determinado grupo social”, com a finalidade “de caminhar no sentido da implementação do ensino à distância”.
“Somos expressamente contrários à implementação de plataformas online para a realização de atividades remotas em cursos presenciais, muito por não ser a prática e metodologia pedagógica na qual acreditamos, mas sobretudo porque, baseados no princípio da isonomia entre os estudantes, é inadmissível que qualquer um seja prejudicado por não possuir materiais ou meios de acesso para a realização de atividades remotas obrigatórias”, explica.
A presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes), Ana Carolina Galvão, avalia que o questionário é importante por ser uma forma de escutar a comunidade acadêmica, mas é insuficiente para que a universidade possa determinar medidas. Um dos motivos, destaca, é o enfatizado pelo DCE, ou seja, o fato de que a pesquisa é online e um conjunto de estudantes não poderá responder por não ter acesso à internet.
Ana Carolina explica que a associação não é contrária à utilização da ferramenta tecnológica como apoio às atividades de ensino, apenas acredita que essa não pode ser a forma prioritária, não devendo transformar o presencial em à distância. Um dos motivos para esse posicionamento é o fato de que, segundo ela, a qualidade do ensino não será a mesma.
A presidente da Adufes destaca também a desigualdade de acesso à internet entre os estudantes, fazendo com que a iniciativa de aulas virtuais em cursos presenciais seja excludente. Quanto aos professores, Ana Carolina afirma que as atividades virtuais poderão precarizar esses profissionais, aumentando de maneira considerável o volume de trabalho. Outro problema apontado por ela são os interesses econômicos que estão por trás do avanço do ensino à distância.
“Nesse caso não estamos falando propriamente da gestão da universidade, mas do Ministério da Educação. O Ministério vem se posicionando de forma a desqualificar o trabalho das universidades públicas, falando em barateamento dos processos formativos. As atividades à distância já eram intensamente defendidas pelo Ministério da Educação, a pandemia só acelera esse processo. Quem vai preparar os professores para isso? Quem vai criar as plataformas? Há um interesse econômico de grupos privados da educação”, defende.
O Sindicato dos Trabalhadores da Ufes (Sintufes) também é contrário à implantação de atividades virtuais em cursos presenciais, afirma a diretora geral da entidade, Luar Santana de Paula. Ela salienta que, ao contrário do que muita gente pensa, o trabalho desses servidores não é somente administrativo, tendo uma característica plural. Portanto, as atividades virtuais culminariam, por exemplo na sobrecarga de trabalhadores do Núcleo de Tecnologia da Informação.
Assim como a Adufes e o DCE, o Sintufes participa de um grupo de trabalho (GT) criado pela Ufes para conhecer a visão da comunidade acadêmica sobre o isolamento social, sua flexibilização e alternativas acadêmicas. Foi por meio desse GT que os questionários encaminhados para alunos e docentes foi elaborado e enviado. Luar auxilia na elaboração dos questionários com foco nos técnico-administrativos e destaca que é preciso inserir questionamentos que não foram colocados no dos estudantes, por exemplo.
Um deles, aponta, é sobre o pós-pandemia. A diretora geral do Sintufes afirma que o GT, que também é composto por outros grupos da universidade, como representes da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) e dos centros, tem como um dos objetivos pensar o retorno à universidade quando a pandemia acabar. “O que fazer para voltar? Como fazer? Vai ser possível fazer distanciamento em alguns lugares? Vai ter limpeza constante do ambiente?”, questiona Luar.
A diretora geral do Sintufes também salienta que, levando em consideração o fato de que há locais com risco alto, moderado e baixo de contágio de coronavírus, é preciso pensar a locomoção das pessoas que fazem parte da comunidade acadêmica. Ela frisa a necessidade de saber, por exemplo, de onde vêm, com qual meio de transporte, entre outras informações.
Mobilização no Ifes continua
O Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) aprovou no dia seis de maio, após reunião virtual, a realização de atividades não presenciais na instituição de ensino durante a pandemia do coronavírus. Entretanto, a comunidade acadêmica, que já estava mobilizada contra essa iniciativa antes, continua o movimento, inclusive com apoio de sindicatos, centrais sindicais e entidades sociais do Espírito Santo e de outros estados.
Em nota assinada por 135 entidades, afirmam que a decisão do Ifes foi pautada em uma pesquisa que não chegou nem à metade dos estudantes, já que dos 22 mil alunos da instituição de ensino, apenas nove mil participaram do levantamento. Além disso, questionam como alunos sem acesso à internet podem responder um formulário online.
A nota também destaca os fatores que fragilizam a realização de atividades virtuais para cursos presenciais, como falta de capacitação dos professores e pouca experiência na realização de aulas à distância; inexistência de políticas concretas para a garantia, tanto da manutenção da qualidade no processo de ensino-aprendizagem quanto do acesso do conteúdo pelos alunos que não possuem internet e computador ou smartphones para atender a necessidade de seus estudos; e a necessidade de apoio pedagógico, atendimentos e monitorias.
As entidades ressaltam, ainda, que principalmente alguns grupos de estudantes serão impactados negativamente com a decisão do Ifes, como alunos com necessidades específicas, moradores das periferias e das zonas rurais, de famílias de baixa renda e alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).
O documento destaca que o Ifes não levou em consideração os posicionamentos de diversas organizações e lideranças estudantis e do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Tecnológica e Profissional (Sinasefe).