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Fazendo cinema na aldeia

Cineasta autodidata, T-Kauê produz ficções e documentários em Aracruz com base na cultura de seu povo Tupinikim

“As narrativas vêm de conhecimentos de nosso próprio povo aqui e de algumas experiências pessoais que já tive ou tenho. Acho que a vida como um todo é minha maior inspiração para a criação dos meus filmes”, diz Tiago Matheus, o T-Kauê, cineasta autodidata da etnia Tupinikim que já produziu cinco filmes no município de Aracruz, norte do Estado. “Mas aprendo muito vendo filmes internacionais. Isso porque nunca tive condições financeiras para cursar cinema, então minhas aulas são pesquisas na internet e muita apreciação de outras obras”, conta ele, um assíduo espectador de filmes, novelas e séries. 

É na região da Comboios, a aldeia mais distante das demais, localizada no caminho litorâneo entre Barra do Riacho (Aracruz) e Regência (Linhares), que Tiago nasceu e cresceu junto ao povo Tupinikim. Hoje, aos 31 anos, vive em Córrego do Ouro, uma extensão da aldeia de Comboios.

Seu interesse pela filmagem começa muito antes, com cerca de 11 ou 12 anos de idade. “Para ser mais claro, creio que comecei minhas obras por meio de áudio. É curioso porque como eu ainda não tinha uma câmera, usava um rádio que possuía a função gravação para fazer algo parecido com audiodrama. Eu gravava e dramatizava as historinhas, e colocava fundos musicais. Ficavam parecendo radionovelas”, ri.

Muito teve que insistir ainda pré-adolescente para que seu pai comprasse um gravador de voz, evoluindo para que a dramaturgia em áudio ganhasse a plataforma K-7. “Nessa época eu já escrevia livrinhos, em cadernos, desenhava e depois fazia a versão em gravação de áudio”, conta sobre o início de seu processo de produção.

O primeiro equipamento que teve que filmava era na verdade uma câmera simples de fotografia com a função vídeo, que permitia apenas registrar pequenas gravações audiovisuais. “Resolução horrível, mas era bom”, diz o cineasta.

“Fiz meus primeiros vídeos brincando. Aprendi sozinho a mexer nos primeiros aparelhos que tive acesso, porque eu sempre fui curioso”. Mas além da curiosidade, do equipamento, da formação autodidata, outros elementos contribuíram para que Tiago pudesse realizar ali produções audiovisuais inclusive de longa-metragem de forma independente.

Mobilização comunitária, apoio de amigos e famílias e também o conhecimento, respeito e pesquisa sobre a cultura na qual está inserido, que é o eixo central de suas obras. “As temáticas, em sua maioria são de resgate cultural do povo Tupinikim. Registros de contos e lendas transmitidos pelos anciãos e nossa luta dos dias atuais”, explica.

Sua última obra, Bravura e Coração, lançada em abril e disponível no YouTube, dramatiza um desafio proposto pelo cacique para eleger o futuro líder da aldeia, colocando jovens guerreiros frente a frente numa história que envolve coragem, amor e vingança.

Além das filmagens, T-Kauê inclui animações que introduziu a partir de sites e canais online. “Este filme é uma produção amadora e sem fins lucrativos. Contém trechos de vídeos coletados no YouTube. Se algum animador 3d ou autor de um dos efeitos visuais contidos neste filme se sentir ofendido pela exposição do seu trabalho, por favor, entre em contato pelo e-mail”, avisa.

“Eu não tenho apoio financeiro. Peço apoio de alguns amigos e conhecidos de minha comunidade para atuar nos filmes. O elenco é quase 100% voluntário. Às vezes peço uma mãozinha de alguns membros da minha família”.

Assim, com esforço e mobilização, consegue terminar suas obras, sendo que duas ficções e um documentário estão disponíveis no YouTube.

Em As Faces do Coração, produzido em 2015, teve apoio de amigos e conhecidos: uns levavam a equipe de carro até os locais de gravação, outros ajudavam com os lanches. “Mas não conto com verbas grandes, porque todas as vezes que tentei nunca consegui, e percebi que, se eu ficasse esperando por isso, não faria nada, porque é muito burocrático”, reclama. As exceções foram os dois documentários de curta-metragem que desenvolveu em 2012 e 2014, em que foi contratado por empresas dentro do Projeto Ma’enduara.

Tiago Matheus também é um entusiasta da revitalização da língua Tupi, originária de seu povo, mas que deixou de ser falada por conta do processo colonial. “A língua faz parte da nossa identidade Tupinikim, que foi violada no passado. Fomos proibidos de falar a língua. Mas hoje temos liberdade. Então a hora de falar é agora. É só resgatar”, aponta. Por isso, ele busca inserir algumas expressões em Tupi na fala dos personagens de seus filmes. “No nosso linguajar já tinha várias palavras, fragmentos do Tupi Antigo, que não sabíamos”, conta.

Essa paixão pela língua Tupi também aparece em seu canal no YouTube, no qual desenvolve pequenos vídeos com dicas sobre palavras e expressões na língua nativa de seu povo, e faz outras reflexões sobre questões políticas e culturais. Além do audiovisual, T-Kauê também é escritor, já tendo publicado três livros, nos quais também busca retratar a história e cultura dos Tupinikim. Ainda é desenhista de mangá e cantor. Múltiplos talentos artísticos e uma grande consciência de suas origens.

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