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​A construção do caos

Um clima de desânimo e medo do futuro invade grande parte dos brasileiros e não é só a pandemia

“Não aguento mais essa situação”, desabafa a amiga e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, completa: “O Brasil vai explodir”. Ela cita a pandemia apenas em rápido comentário, se detém nas manifestações de rua desse domingo (31), e destaca a figura insólita do presidente da República cavalgando no meio da multidão.

Indiferente às milhares de vítimas da Covid-19 e aos acenos ao diálogo político, apostando muito mais em munição pesada para manter seu projeto de poder, cujo foco central é a família, a dele, ela faz questão de destacar.

Entendemos que é nessa fase da construção do caos generalizado que o País foi sacudido, no mesmo dia da cavalgada presidencial, sem sentido algum, pela explosão das ruas em várias cidades, um passo mais adiante do simples e cômodo bater panelas das janelas dos apartamentos.

Bem melhor é saber que essa movimentação, apesar da repressão policial, surge no mesmo momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF), enfim desperto, começa a desmontar o ninho de notícias falsas que sustenta o bolsonarismo e intensifica as apurações em torno do submundo das milícias.

Um clima que traduz o acerto da pesquisa do Datafolha divulgada neste primeiro de junho. Os dados mostram que dois terços dos brasileiros têm orgulho do País, mas ao mesmo tempo se mostram pessimistas, desanimados e com medo do futuro.

Sentimentos mais do que normais, se o olhar se detiver no processo de desconstrução de conquistas sociais, no alinhamento do presidente com o chamado “centrão”, que joga por terra mais uma vez o sofisma do combate à corrupção, e no desrespeito à democracia.

Manifestação idêntica é apontada por minha interlocutora. Ela fala de medo e também de nojo e destaca os que se dizem cristãos, mas acolhem os mesmos conceitos defendidos pelo bolsonarismo. Trazem à memória a tragédia da chamada “Noite dos cristais”, que deflagrou em 1938, na Alemanha nazista, as ações do genocídio de mais de seis milhões de judeus e de outras minorias.

Igualmente desumanos são os ataques da organização segregacionista Klu Klu Klax aos negros, nos Estados Unidos, em 1920/30, redivivos agora no assassinato de George Floyd na cidade de Mineapolis, um dos berços da histórica segregação racial norte-americana.

O avanço do bolsonarismo vai nesse sentido e isso ficou demonstrado no último fim de semana, em frente ao STF, em Brasília. Usando máscaras de filmes de terror e portando tochas, um grupo liderado pela ativista Sara Winter protestou contra as investigações às notícias falsas, que, se bem desenvolvidas, representam um arraso para Bolsonaro e seus filhos.

O caos está colocado como ponto de chegada e não será por meio de uma chamada Frente Ampla, com a adesão de conhecidos oportunistas, que o País terá garantida a democracia. Estes, em qualquer tempo e lugar, não desviam o olhar do próprio umbigo. Para eles, que importam os outros?

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