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O racismo importa?

Mais que em um ou outro evento escandaloso, é o escândalo do racismo que precisa ser combatido no dia a dia

Os dois homicídios de pessoas negras na segunda quinzena de maio, o menino João Pedro (14 anos) no Rio de Janeiro e George Floyd em Minneapolis (EUA), são explosões pontuais de uma questão muito maior, que, historicamente, tenciona as relações humanas em nosso mundo.

Dominação, supremacia racial branca e capitalismo selvagem estão no cerne da questão. Infelizmente, só acordamos para a indignação na ocorrência dessas barbáries pontuais, quando refletimos quanto ao absurdo que estamos construindo.

Muito antes do menino João Pedro ser morto, covardemente acuado numa casa de periferia, ou o George Floyd ser asfixiado brutal e também covardemente, covardia muito bem refletida na imponência da imagem do policial branco esmagando seu pescoço, seus pares, ou seja, corpos pretos; são humilhados pela polícia, por seguranças, patrões, Estado e sociedade. Infelizmente, não se faz mesmo necessário ilustrar esse argumento com dados oficiais. Essa realidade está exposta como a “bunda na janela”, gritando atenção em nossa rotina.

Tanto na simplicidade em que os “João Pedros” e “George Floyds” convivem com abordagens policiais desrespeitosas e impossíveis de serem visualizadas fora de seus territórios, quanto na intensidade da presença desses corpos pretos no crime, nas prisões, nos subempregos, nas populações de rua etc. a falência do sentido levinasiano de humanidade, como alteridade e solidariedade, está cada vez mais explícito.

O modelo social excludente que vivemos se torna superior a toda presunção de vida livre e igualitária apregoada pela hipocrisia dessa nossa sociedade, onde a sorte lançada pela pigmentação da pele, faz com que a luta diária desses corpos pretos seja sempre direcionada a atingir o posicionamento dos brancos, que lhe são apresentados como únicos paradigmas, suprimindo assim sua identidade.

A mudança necessária está ligada à ação política e pessoal. É preciso que haja a indignação, não por eventos isolados, mas pela situação em si.

A participação política precisa ir muito além do voto. Embora esteja ali o momento democrático de escolha de nossa representação na condução do Estado, a ação política do cidadão deve ser cotidiana, pois, mesmo que esteja governando o seu legítimo representante, o Estado não lhe pertence e suas atitudes precisam ser coerentes e avaliadas a todo tempo, não só as do indivíduo governante, mas de toda a estrutura a seu comando chamada “longa manus”.

No Brasil o racismo ainda consegue ser pior que o americano, lá o conflito já é estabelecido na luta por igualdade e espaços, enquanto aqui vivemos uma harmonia aparente, bela como a mansidão do mar morto que no âmago está lodento e apodrecido. Contudo, já nos ensinava o poeta na luta contra a ditadura, é preciso não perder o momento dessa ação, “quem sabe faz a hora”.

Para o combate é preciso que a sociedade, de todas as cores e raças, seja ética, aja contra o nascimento e aplicação das atitudes racistas, desde o dia a dia, quando presenciamos a todo momento o tratamento desigual nas abordagens, no tratamento das pessoas e no oferecimento de oportunidades. Analisar seus resultados, avaliando sua eficiência numa perspectiva não segregacionista, e endurecer no conceito de igualdade. Precisamos ainda amadurecer nossa democracia para que haja espaço e instrumentos populares para contradizer o governante e impedi-lo dessas mesmas ações.

Enquanto essa cultura de supremacia e dominação não for reavaliada quanto a seus resultados, estaremos submetidos a pessoalidades de governantes e autoridades, sejam essas autoridades instituídas pelo estado ou construídas, à força, pelo próprio povo em seu dia a dia.

Sociedade é a organização da vida comum que só pode existir dentro da maior profundidade dos conceitos de humanidade, alteridade e solidariedade.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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