Está prevista para esta quarta-feira (24) a votação do PL 4.162/2019. O projeto de lei busca alterar o Marco Legal do Saneamento no Brasil e tem sido alvo de sucessivas críticas de entidades e trabalhadores do setor. Entre os senadores capixabas, Rose de Freitas (Podemos) e Fabiano Contarato (Rede) afirmaram, nesta terça-feira (23), que votarão a favor. Já Marcos do Val (Podemos), ao ser procurado por Século Diário, comunicou que não informaria seu posicionamento.
Segundo a senadora Rose de Freitas, o maior déficit de infraestrutura no Brasil está na área de saneamento, situação que, para ela, compromete principalmente a saúde e a vida da população. “Se tivéssemos como planejamento impositivo, antes de fazer praças ou parque de exposição, colocar asfalto nas vias, construir redes de esgotos e estações de tratamentos, e termos uma água limpa sendo jogada no rio, não teríamos o comprometimento da saúde do povo e a qualidade de vida seria outra”, defende.
Rose também afirma que “normalmente, as companhias estaduais de saneamento não dão conta dessas demandas e muitas são usadas politicamente. Assim, o retorno para os municípios está aquém do desejado”.
Contarato, da mesma maneira, afirma ser favorável “porque 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto em suas casas. Também falta coleta de esgoto em 59% das escolas do ensino fundamental no Brasil. Ainda a nossa triste realidade é que mais de 35 milhões de pessoas sobrevivem sem água encanada em casa. Temos, portanto, de trabalhar a favor do saneamento básico universalizado”, ressaltou.
A alteração do Marco Legal do Saneamento tem sido criticada por entidades que representam empresas públicas de saneamento e trabalhadores do setor, que no início de maio encaminharam uma carta aos senadores reivindicando a suspensão da tramitação enquanto durar a pandemia do coronavírus.
As entidades defenderam, na carta, que no atual contexto não há condições mínimas para que as discussões em torno do projeto de lei ocorressem de forma participativa e abrangente. As críticas ao PL, segundo as entidades, são pelo fato de que ele privatiza o saneamento, pois tem como ponto central o fim dos contratos de programa.
“Contrato de programa nada mais é do que uma dispensa de licitação, prevista na Constituição, na Lei de Licitações e na Lei de Diretrizes Nacionais de Saneamento Básico. Consiste no município poder aprovar uma concessão para uma companhia estadual de saneamento sem necessidade de licitação, como um consórcio entre entes públicos, um contrato com obrigações e deveres mútuos a serem cumpridos. O PL quer obrigar os municípios a licitar”, explica o representante do Espírito Santo na Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Fábio Giori.
Fábio destaca que as empresas públicas estaduais trabalham com o subsídio cruzado. “Municípios da Grande Vitória, como Cariacica, Vila Velha, Serra, Vitória, Viana e Guarapari, são superavitários, o que é investido dá retorno e ainda sobra lucro. A Cesan [Companhia Espírito-Santense de Saneamento], como empresa pública que presta um papel social no serviço de saneamento, utiliza esse lucro para investir em municípios deficitários, pois o objetivo da Cesan não é o lucro, é a prestação de serviço”, compara.
Diante disso, para Fábio, acabar com os contratos de programa é forçar a privatização, possibilitar que a iniciativa privada possa escolher os municípios onde vai atuar. “A iniciativa privada vai disputar licitação nos municípios que dão lucro, embolsar esse dinheiro, e não disputar licitação nos deficitários. Vai acabar levando as companhias estaduais à falência, pois elas não conseguirão fechar contrato com os municípios superavitários, consequentemente, não terão recursos para atender aos deficitários. Os municípios, que estão quebrados, não terão condições de fazer investimento em saneamento para atender à demanda”, explica.
Fábio recorda de experiências semelhantes já ocorridas no Brasil. Uma delas é a de Manaus, onde depois de 20 anos de concessão privada, a cidade ainda tem menos de 15% de serviço de coleta e tratamento de água e esgoto, além da falta de abastecimento. Outra apontada por ele é o de Tocantins, no qual após 20 anos de atuação, a concessão privada devolveu cerca de 70% municípios não superavitários para os cuidados do estado.
“Isso é o que vai acontecer em todo o Brasil. A iniciativa privada vai ficar com o filé e deixar o osso para o serviço público”, diz Fábio, que entende ser necessário mudar a estrutura do saneamento, mas não em aspectos relacionados ao Marco Legal, e sim, no que diz respeito ao financiamento. Segundo Fábio, o saneamento não é prioridade do governo federal. Ele recorda que houve um aumento do investimento no setor a partir de 2003, mas não foi o suficiente.
“Aumentou-se o investimento em 2003, principalmente em 2005, com a criação do Ministério das Cidades do Pac 1 [Plano de Aceleração do Crescimento], Pac 2, linhas de crédito para o setor, mas não vimos evolução no orçamento geral da união, que investe menos de 0,2% do Produto Interno Bruto em saneamento”, afirma.
Para Fábio, os bancos de fomento deveriam criar facilidades para as estatais poderem investir no setor e o governo federal deveria destinar recursos do orçamento geral da União para companhias estaduais e para os serviços autônomos de água e esgoto dos municípios.
Fábio relata que, para a FNU, aprovação do projeto que busca alterar o Marco Legal do Saneamento seria um retrocesso e colocaria o Brasil na contramão do mundo, pois, como pontua, há no mundo cerca de 800 casos de reestatização, sendo cerca de 300 na área do saneamento.