A dexametasona é um corticoide, não cura a Covid-19, mas contribui fortemente como possível tratamento
Desta vez, a suspensão destes estudos vem em seguida à revogação do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina feita pela FDA nos Estados Unidos, agência americana semelhante à Anvisa no Brasil. Não há comprovação de que a hidroxicloroquina possa diminuir o índice de mortalidade pela Covid-19, e tais estudos estão no escopo do projeto Solidarity, além de um ensaio conduzido pela Universidade Oxford, do Reino Unido. A decisão técnica foi de parar com a randomização com o ensaio da hidroxicloroquina. No caso da suspensão feita pela OMS, esta tem caráter definitivo.
A primeira suspensão dos estudos sobre a hidroxicloroquina feita pela OMS veio depois da publicação, feita pelo periódico científico The Lancet, de um estudo sobre a droga, que dizia não haver benefício de seu uso no tratamento da Covid-19, em um teste que foi descrito no meu texto da coluna anterior. A seguir foi feita uma revisão dos dados sobre a droga e o conselho do Solidarity retomou os estudos.
Por fim, a The Lancet retratou o artigo, o que equivale à uma correção, o que implicou numa auditoria solicitada por três dos autores deste artigo em relação ao trabalho da empresa Surgisphere Corporation e de seu fundador e coautor da publicação, Sapan Desai. Dados que foram base para o artigo, e eles descobriram que a empresa não transferiria os dados completos, por motivos de não violar acordos de confidencialidade e também contratuais com clientes, e então não foi possível revisar estes dados, o que levou a não se ter a garantia de veracidade das fontes de dados primárias, e então os autores solicitaram a retirada do artigo.
A suspensão da OMS e a revogação da FDA vêm agora no momento em que temos a descoberta, por parte da Universidade de Oxford, que o uso da dexametasona reduz consideravelmente a mortalidade por Covid-19, e a OMS disse que isto é um grande passo para combater a pandemia. Tal redução de mortalidade, por sua vez, se concentra em casos graves e moderados de contágio, e tal promessa de tratamento traz o perigo da automedicação, comum quando surgem novidades reais ou baseadas em fake news sobre a Covid-19.
A dexametasona é um corticoide, não cura a Covid-19, mas contribui fortemente como possível tratamento dos casos graves e moderados da doença, pois este corticoide não ataca o vírus diretamente, mas ajuda a controlar a reação inflamatória causada pelo coronavírus em pacientes graves. E, de acordo com a nota de duas páginas apresentada à imprensa pela Oxford (que não é, ainda, uma divulgação de dados completos), o uso da dexametasona aumentou a sobrevida de pacientes hospitalizados por Covid-19. A divulgação feita pela Oxford ainda se trata de um ensaio clínico com a droga (ou estudo clínico randomizado).
O resultado, de acordo com a Oxford, reduziu em um terço a mortalidade de casos graves sob ventilação mecânica, um quinto dos que estavam recebendo oxigênio suplementar (sem uso de respiradores), e não houve benefícios para os casos sem necessidade de ajuda para respirar. O ensaio faz parte do estudo clínico randômico Recovery, que investiga seis potenciais tratamentos contra a Covid-19 em mais de 11 mil pacientes.
Por sua vez, circulou um texto nas redes sociais que indicava o uso de azitromicina, ivermectina e nitazoxanida para curar a Covid-19, o que foi uma fake news, pois não há respaldo científico para o uso dessas drogas, nem para o tratamento da Covid-19, e muito menos para a sua cura, e tais fake news configuram também um perigo, pois pode induzir à automedicação, o que pode trazer riscos à saúde.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) “o uso de produtos para tratar a Covid-19, que não foram investigados de maneira robusta, pode colocar as pessoas em perigo, dando uma falsa sensação de segurança e distraí-las da lavagem das mãos e do distanciamento físico, que são fundamentais na prevenção”. A entidade também ressalta que orientações enganosas “podem aumentar automedicação e o risco para a segurança do paciente”.
Em revisão publicada no dia 16 de junho, o Ministério da Saúde não diz haver evidências suficientes para garantir que o azitromicina, um antibiótico, “em uso isolado ou em combinação com hidroxicloroquina, é eficaz para o tratamento da Covid-19”, e de acordo com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) tal droga é usada contra infecções bacterianas. Tal entendimento científico também é atestado pelas “Diretrizes para o tratamento farmacológico da Covid-19”, que reúnem o consenso da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
A ivermectina, remédio contra vermes e parasitas, também não tem eficácia comprovada contra a Covid-19, como indica expressamente a FDA dos Estados Unidos. Tal uso da ivermectina contra a Covid-19 se baseou numa pesquisa publicada na Antiviral Research no início de abril deste ano, que indicava que a ivermectina tinha servido como inibidor do Sars-Cov-2 em células de laboratório. Contudo, tal resultado in vitro, para ter a mesma efetividade em humanos, demandaria uma dose bem maior da droga, que vai além da dose aprovada hoje pelas agências reguladoras, por risco de um efeito neurotóxico.
Tampouco a nitazoxanida (Anitta), um vermífugo, comprovou-se eficaz para tratar a Covid-19. O medicamento passou a ser tratado como possível meio de combate da Covid-19 em abril deste ano, quando o ministro da Ciência e Tecnologia do governo Bolsonaro, Marcos Pontes, anunciou que testes com o composto haviam identificado redução de 94% da carga viral do novo coronavírus em células in vitro. Ainda em abril deste ano, a Anvisa liberou o estudo do composto em humanos, em maio. Pontes anunciou a segunda fase dos testes do medicamento para verificar o uso profilático, mas não foram ainda apresentados resultados.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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