Em Cachoeiro, resta saber para onde vão aqueles que votaram contra o PT e na extrema direita, e, fundamentalmente, que estão à procura de emprego
Sou obrigado a citar. De acordo com o Datafolha, metade da população brasileira não sabe o que foi o AI-5, nem quem o decretou, quando, onde e por quê. Ou seja, os que hoje acreditam que a ditadura foi uma maravilha ignoram que ela durou 21 anos. Dramaticamente. Um jovem colega de escritório me pergunta: “Como vocês faziam pessoalmente para identificar se estavam ou não praticando um crime contra a segurança, pois, segundo eu soube, havia até decreto secreto?” Era a autocensura. A censura da censura da censura. Ou seja, ele se refere à censura íntima, pessoal, impingida, sorrateiramente, sem armas ou fuzis, mas através do medo visível e invisível.
Hoje, como arma poderosa, também somos assediados por fake news, artilharia intensa usada pelo submundo que ganhou tônus na era bolsonariana. Mas ainda há liberdade de imprensa. A Folha de S.Paulo está fazendo um seminário para passar a limpo e rememorar os anos de ditadura, exatamente em razão deste reconhecimento. É uma luta antecipada. Aliás, a maioria da imprensa vem se comportando no mesmo sentido: evitando o pior.
Os atos autoritários que sobejam hoje trazem na lembrança os terríveis sinais de violência da ditadura imposta aos brasileiros a partir de 64. Mas as digitais estão aí. Mesmo no interior do Estado assisto, estarrecido, ao cenário: “se eu estou gerando emprego, posso descumprir as leis ambientais, eu posso tudo”. É o caso do Supermercado Sempretem, que vem violando a lei ambiental com obras complementares. Exemplo de muitos. E isso às vezes convence, pois a pandemia traz desempregos. Aquela velha história da Transamazônica. Da ponte rio Niterói. Por isso é relevante o papel da imprensa para reescrever a história, como se fosse uma vacina contra o vírus do autoritarismo.
Bem, a PEC que adia o primeiro turno das eleições municipais de 4 de outubro para 15 de novembro foi aprovada. O segundo turno, onde houver, passa de 25 de outubro para 29 de novembro. Os prefeitos ganham um tempo para, se for o caso, se refazer dos desgastes proporcionados pela pandemia. Em Cachoeiro, por exemplo, o prefeito Victor Coelho (PSB) saiu de uma calamidade pública e já entrou na pandemia. E tem que se preparar para reeleição.
Por falar nisso, se não me falha memória, do período ditatorial, em Cachoeiro só sobraram dois políticos: o deputado Teodorico Ferraço (DEM) e Roberto Valadão (MDB). Dois inimigos políticos e ideológicos com muitas histórias. Como estão hoje, diante do quadro esboçado?
Ferraço está forjando um jovem e desconhecido candidato a prefeito, advindo do governo Bolsonaro (sem partido), onde ocupou o cargo no Ibama no Estado, por indicação dele e da deputada Norma Ayub (DEM). Ferraço quer combater o prefeito Victor (PSB) com um produto novo, que ninguém conhece, que ele alojou no DEM. Por outro lado, Valadão MDB) prefere observar a história de longe, registrando seu currículo de combatente da ditadura. Tudo indica que vai apoiar o atual prefeito Victor Coelho (PSB). Caso contrário estaria alimentando o seu velho adversário.
Há outros candidatos? A partir de hoje vão aparecer de forma explícita. Muitos ensaios que estão na fase de arrumação estratégica. A esquerda, em Cachoeiro, por exemplo, vai ter que se contentar com um candidato do PT, que evita qualquer composição onde possa constar um resquício sequer do bolsonarismo.
A vereadora Renata Fiorio (PDS), que é egressa dos movimentos da Igreja Católica, busca apoios, inclusive já conversa com o governador Paulo Hartung. O vice-prefeito, Jonas Nogueira (PSL), percorre as ruas, sem parar, com a bandeira viva e apaixonada do presidente Bolsonaro.
O governador Renato Casagrande (PSB), que vem ocupando um espaço de confronto com o presidente da República, vai orientar o prefeito Victor Coelho a seguir uma trilha, no mínimo, equidistante das discussões ideológicas, com receio dos 30 por cento que restam para o bolsonarismo.
O cenário em Cachoeiro, com a divisão de candidatos, favorece, até agora, o prefeito Victor, que o governador Renato acalenta e joga todas as fichas.
Resta saber para onde vão aqueles que, na eleição presidencial, votaram contra o PT e na extrema direita e se deram de cara com um presidente inepto e que pretende governar, no mínimo, sem democracia. E, fundamentalmente, daqueles que estão à procura de emprego. “Você procurou emprego e não encontrou?”