Mesmo em Home office, temos que manter o nível de normalidade, quando a disputa por quem melhor se vestia elevava os ânimos e as vendas
O celular me desperta com os acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven. Não que eu seja sofisticada ou amante de música clássica – a escolha é dele, digo, o Ric fez a seleção: Um pouco de tudo e nada fica monótono, ele diz. Ontem foi um xote do Luiz Gonzaga: Mandacaru quando fulora na seca…Consultei o Google e aprendi que mandacaru é um cactus do Nordeste, e as flores são um deslumbre de belas. Meu avô adorava o Luisão e os xotes. Mas o tempo não me permite divagar: banho rápido, meia hora no item cabelo-maquiagem, café forte sem açúcar.
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O que vestir para mais um dia de trabalho, eis a questão. Nisso invejo o Ric, meu Ricardo coração-de-leão, que dorme mais meia-hora porque não tem frescura com roupa – a expressão é dele, não minha. Pega a primeira camisa na fila do armário e a calça que vê primeiro. Me dá um trabalhão convencê-lo a trocar uma ou outra quando a dupla realmente agride meu bom gosto. Voltando ao meu armário, consulto as fotos diárias arquivadas no celular para saber quais roupas já foram usadas durante a semana e absolutamente não repetir o look. Nisso sou exigente. Até o sapato…
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Pode parecer frescura, mas o visual é essencial, em qualquer circunstância: eleva o ego, clareia as ideias, atrai bons fluidos, essas coisas. Já foi comprovado em muitos estudos confiáveis, um ambiente de trabalho com flores nas jarras, quadros nas paredes, escrivaninhas bem arrumadas e pessoas bem vestidas rende mais e produz melhores resultados. Devo confessar que a empresa em que o Ric trabalha rende muito mais que a minha, mas acredito que o desleixo do meu marido deve ser exceção, e pelo menos as ladies devem se vestir no mesmo nível que eu.
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Outro item do qual não abro mão é a pontualidade. Nunca jamais cheguei atrasada, não importa o trânsito, o tempo, meu estado físico ou mental. Se há um horário estabelecido, cumpro à risca, pois não gostaria que meu salário se atrasasse. Imagino a situação obviamente improvável: Chefe, meus cabrais não amanheceram hoje na minha conta… Sim, mas ontem você não amanheceu na sua sala no horário estipulado. Tratos e contratos são sagrados, embora o Ric… Por que a pressa? Delicie-se devagar com um bom café da manhã e seu trabalho vai render muito mais. Francamente, Ric?
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Hora do almoço é o mesmo diálogo, ou melhor, monólogo – Qual a pressa, amor? O computador não vai fugir se você demorar um pouco mais na refeição. É igual avião, se atrasa a decolagem, compensa durante o voo. Acho que hoje a gente poderia experimentar essa nova receita que peguei na TV ontem, Uma-duas-três etapas para uma deliciosa macarronada para quem não sabe a diferença entre um talharim e um espaguete. O Ric tem dessas coisas, mas não me deixo contaminar por esse falso entusiasmo.
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Confesso que ando preocupada com o Ric, que sempre foi tranquilo, cabeça fresca, antenado com a realidade e aberto a possibilidades. Aceitar tudo numa boa nem sempre é sinal de adaptação. O mundo pode vir abaixo e ele repetindo essas filosofias de Youtube: Pra quê se arrumar tanto se ninguém está vendo, amor? Explico que é preciso manter o clima, não podemos perder os links com a realidade. Mesmo em Home office temos que manter o mesmo nível de normalidade, quando a disputa por quem melhor se vestia no escritório elevava os ânimos e as vendas. Francamente, Manaira?