quinta-feira, novembro 21, 2024
24.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

Hospital coloca feto em frasco de soro e o entrega à mãe após aborto espontâneo

Gestante, com Covid-19, havia recebido alta do hospital horas antes de abortar. MPF interveio pelos direitos da família

Reprodução/Facebook

A família de Jaciele Pêgo Ramos Bolonese e David Bolonese precisaram de intermediação do Ministério Público Federal (MPF) para terem seus direitos atendidos após um dos episódios mais tristes de suas vidas. 

Fragilizados pelo aborto espontâneo do quarto filho, o casal passou todo o último fim de semana com o feto, de 15 semanas, dentro de um frasco de soro com formol, cortado e fechado apenas com uma fita colante.

Foi assim, com o frasco dentro da bolsa onde guardara as roupas que usou durante a internação hospitalar, que Jaciele saiu do hospital na tarde de sábado (4), 24 horas após dar entrada para curetagem e outros procedimentos necessários em função do aborto espontâneo, sofrido na tarde de sexta-feira (3). 


O formol vazou e molhou os pertences. Em casa, o formol evaporou e impregnou o ar, provocando grande desconforto emocional e psicológico a toda a família, incluindo os três filhos.

Na manhã desta segunda-feira (6), instantes antes do hospital enviar uma equipe para buscar o feto para os exames e procedimentos legais necessários, Jaci conta que este já estava de cor escura, arroxeada, provavelmente entrando em decomposição devido à perda do formol.

Por nota, o MPF/ES informou que, além da intermediação feita com a superintendência do Hospital, também foi requerido ao Distrito Sanitário Especial Indígena, vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Disei/Sesai) que forneça apoio psicológico à família. “O fato ainda foi informado à Defensoria Pública, que, assim como o MPF, está analisando a adoção de medidas cabíveis”.

Moradores da aldeia indígena Tupiniquim de Caieiras Velha, em Aracruz, norte do Estado, o casal e seus três filhos passaram as duas últimas semanas às voltas com grande preocupação com o estado de saúde de Jaci e do bebê em gestação.

Sentido fortes dores abdominais e abalada pelos sintomas da Covid-19, Jaci foi atendida no Hospital e Maternidade São Camilo, instituição filantrópica localizada na sede do município, onde recebeu diagnóstico de descolamento de placenta e foi orientada a voltar para casa.

Uma semana depois, dores mais fortes a levaram novamente ao hospital, onde a médica que a atendeu disse que a placenta estava totalmente colada e que ela poderia voltar pra casa e ficar despreocupada, pois apesar das dores, estava tudo certo com o bebê.

No dia seguinte, no entanto, Jaci sentiu cólicas e contrações semelhantes às do parto e, no banheiro de casa, sofreu o aborto. A equipe de saúde da aldeia imediatamente providenciou a ambulância e a enfermeira, paramentada com os equipamentos de proteção individual (EPIs), a acompanhou novamente até o São Camilo, onde deram entrada por volta das 16h20.

Lá, Jaci conta que esperou por vinte minutos por uma cadeira de rodas. Depois de uma hora, a enfermeira teve que se retirar e ela permaneceu sozinha durante todo o tempo, pois o marido precisou ficar em casa com os filhos, todos isolados, devido à condição de Covid-19.

“Do momento em que eu cheguei no hospital até entrar na sala de cirurgia, foi um descaso total”, lamenta Jaci. Apenas às 18h30, já sozinha devido ao retorno da enfermeira da aldeia, ela foi encaminhada para o centro cirúrgico, mas lá chegando teve que retornar para o quarto, pois haviam colocado outra pessoa em seu lugar.

O procedimento cirúrgico só foi acontecer às 20h45. “Fui andando, sem cadeira de rodas, sozinha, sem nem um ombro pra apoiar, sangrando muito. Saí de lá 21h25 e fui pro quarto, com anestesia e paralisada da cintura pra baixo”, conta.

A partir daí, ela diz que recebeu um tratamento mais protocolar, sendo medicada e tendo ajuda para tomar banho no dia seguinte. Por volta da meia-noite, ela conta que pegaram o feto e a placenta e colocaram dentro do frasco de soro cortado, com formol e vedado com uma fita. “Eu perguntei sobre o feto e a técnica disse que era pra eu levar pra casa, que ia colocar dentro de uma sacola pra mim”.

No outro dia, uma outra técnica de enfermagem lhe entregou o papel de alta, quando ela perguntou novamente pelo feto. “Ela disse que não tinha nem uma sacolinha e me entregou. Eu coloquei na minha bolsa com minhas roupas, e o formol vazou, porque o pote não estava bem fechado. Eu não sabia o que fazer, achei que era protocolo do hospital”, relata.

Com toda a família profundamente abalados por toda a situação, Jaci e David procuraram orientação da equipe de saúde da aldeia e foram informados de que o procedimento do hospital não estava correto.

“Lá eu não tive nenhuma orientação, nem fala nem escrita. Depois eu descobri que teria que ter assinado uma autorização se quisesse levar o feto pra casa. Mas eu não pedi. E isso era um costume muito antigo dos indígenas aqui, mas faz muito tempo que não é mais assim”, conta. “É um descaso com a gente, como ser humano”, diz. 

Discriminação 
O fato de ser indígena pode ter sido um dos motivos dos maus cuidados, acredita Jaci. “Realmente ainda existe muita discriminação por ser indígena aqui em Aracruz. Dizem que a gente tem muitas regalias. E já ouvi outros relatos de gestantes que também passaram por situações difíceis”, conta.

“Eu não morri de hemorragia por um milagre. Eu fiquei com o corpo muito quente. ‘Será que é Covid?’, perguntei pra enfermeira, mas ninguém mediu minha temperatura”, relata. “A gente quer um esclarecimento do hospital. Por que disseram que eu estava bem se no outro dia eu tive aborto?. É doloroso”. 
“No plantão tinha médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e ninguém me deu orientação de nada”, indigna-se. “A gente não tem estrutura mental para fazer um enterro”. “Pro hospital era só um feto morto, e pra mim era o meu filho Lucas Gabriel, e não falaram nada sobre o que aconteceu com ele”, chora.

Em vídeo em suas redes sociais, Davi relatou a tragédia da família, avisando que iria fazer um boletim de ocorrência e que iria processar o hospital. “Está sendo muito ruim, muito constrangedor ver a minha família nessa situação, minha esposa, meus filhos”, disse. “Pra eles é só um feto, mas era o meu filho”, diz, em coro com a esposa.

Mais Lidas